O "acordo" - o termo técnico é concordata - entre o Brasil e o Vaticano cheira muito mal; foi rejeitado pelo MEC, pela Associação dos Magistrados do Brasil (AMB) e o Estado de S.Paulo, em edital intitulado "A fé como negócio", pediu ao Senado que reparasse o "equívoco" cometido pelo presidente Lula, e não aprovasse o tal "acordo", que acabara que passar pela Câmara.
Não adiantou. Fernando Collor foi o redator. A concordata virou lei, sem nenhum estremecimento aparente no Senado. Sete de outubro de 2009.
Acabo de recapitular o que já foi publicado neste blog.
Vou agora dar mais atenção à manobra que, na mesma sessão em que a concordata foi aprovada, gerou o projeto de lei chamada de "Lei Geral das Religiões".
Os deputados evangélicos resistiram à concordata, apontando a inconstitucionalidade de conferir privilégios a uma igreja em detrimento das demais. Na correria da sessão urgente, foi elaborada a tal Lei Geral, equiparando todas as religiões, uma exigência dos evangélicos para votarem a favor da concordata. Assim, na mesma sessão, em 27 ou 28 de agosto, a Câmara aprovou as duas coisas: a concordata com o Vaticano e a recém-concebida Lei Geral das Religiões. Que tumulto! O Vaticano não gosta disso.
Logo, no início de outubro, a concordata com o Vaticano prossegue em seu trâmite urgente, e é votada no Senado. Votada e aprovada, como já dissemos.
Muito bem. E a Lei Geral das Religiões? Esta ainda continua no Senado, como PLC (projeto de lei iniciado na Câmara) 160/2009. Está... parada. Consulta à página do Senado na internet revela que o projeto, que tramitava devagar, parou.
A pagina com todos os trâmites do projeto -
http://www.senado.gov.br/sf/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=92959
- revela que, por duas vezes - em 1o. de dezembro de 2009 e em 23 de fevereiro deste ano -, o projeto foi incluído na pauta da Comissão de Educação, mas não foi votado (apreciado). Em dois de março, ele estancou, até que se realize uma Audiência Pública.
Aí resta plenamente estabelecida a diferença entre as religiões. Por que a concordata com o Vaticano (leia Igreja Católica) tramitou a jato e nem se falou em audiência pública?
Ressalto ainda a manobra de passar um projeto de lei no momento em que isso interessa - para aprovar o acordo com a Igreja Católica -, para depois barrá-lo mais adiante, no Senado. A Igreja Católica, através do secretário-geral da CNBB, criticou abertamente a Lei Geral das Religiões - agora ela não nos serve mais...
Não colocamos aqui, no mesmo nível, uma série de movimentos religiosos que se autodenominam "igrejas".[...]
Lamentavelmente, a rendosa teologia da prosperidade tem sido motivadora da criação de inúmeras "igrejas", permitindo-nos mesmo afirmar a existência de um perigoso mercado da fé. Daí ser uma temeridade a Lei Geral das Religiões, que está no Congresso para ser votada, dado que nivela todas as igrejas e religiões, sem distinguir umas das outras.
O trecho acima é do artigo "Igreja e Estado Laico", da CNBB, publicado na Folha de S.Paulo e também disponível no site da própria CNBB. Neste blog, comentamos o texto integral desse artigo, tintim por tintim, logo após sua publicação na Folha:
A VALSA DA IGREJA NO FIM DO ANO - bailar para dominar
A IGREJA APRENDEU A DANÇAR - e nós aprendemos mais sobre o acordo. Estamos horrorizados. (análise do texto da Igreja, na postagem acima)
O texto da Lei Geral das Religiões, abaixo, sendo um espelho do acordo com a Igreja, nos dá uma noção da abrangência da concordata, agora lei, firmada com o Vaticano, que não quer repartir isso com ninguém mais. E, seguramente, podemos já dizer um adeus a tal lei. A Igreja tem imbatível influência nas casas legislativas, especialmente no Senado. Estado laico? Conte-me outra.
PLC - PROJETO DE LEI DA CÂMARA, Nº 160 de 2009
Dispõe sobre as Garantias e Direitos
Fundamentais ao Livre Exercício da
Crença e dos Cultos Religiosos,
estabelecidos nos incisos VI, VII e
VIII do art. 5o e no § 1o do art. 210
da Constituição da República
Federativa do Brasil.
O CONGRESSO NACIONAL decreta: Art. 1o Esta Lei estabelece mecanismos que asseguram
o livre exercício religioso, a proteção aos locais de cultos e
suas liturgias e a inviolabilidade de crença no País e
liberdade de ensino religioso, regulamentando os incisos VI,
VII e VIII do art. 5o e o § 1o do art. 210 da Constituição da
República Federativa do Brasil.
Art. 2o É reconhecido às instituições religiosas o
direito de desempenhar suas atividades religiosas e o
exercício público de suas atividades, observada a legislação
própria aplicável.
Art. 3o Fica garantido o reconhecimento da
personalidade jurídica das instituições religiosas, mediante o
registro no ato de criação na repartição competente, devendo
também ser averbadas todas as alterações que porventura forem
realizadas dentro da respectiva estrutura.
Parágrafo único. As denominações religiosas podem
livremente criar, modificar ou extinguir suas instituições, na
forma prevista no caput.
Art. 4o As atividades desenvolvidas pelas pessoas
jurídicas reconhecidas nos termos do art. 3o que persigam fins
de assistência e solidariedade social gozarão de todos os
direitos, imunidades, isenções e benefícios atribuídos às
entidades com fins de natureza semelhante previstos e na forma
da lei.
Art. 5o O patrimônio histórico, artístico e cultural,
material e imaterial das instituições religiosas, assim como
os documentos custodiados nos seus arquivos e bibliotecas,
constitui parte relevante do patrimônio cultural brasileiro e
continuará a cooperar para salvaguardar, valorizar e promover
a fruição dos bens, móveis e imóveis de propriedade das
instituições religiosas que sejam considerados como parte de
seu patrimônio cultural e artístico.
§ 1o A finalidade própria dos bens eclesiásticos
mencionados no caput deste artigo deve ser salvaguardada, sem
prejuízo de outras finalidades que possam surgir da sua
natureza cultural.
§ 2o As instituições religiosas comprometem-se a
facilitar o acesso ao patrimônio referido no caput para todos
os que o queiram conhecer e estudar, salvaguardadas as suas
finalidades religiosas e as exigências de sua proteção e da
tutela dos arquivos de reconhecido valor cultural.
Art. 6o Ficam asseguradas as medidas necessárias para
garantir a proteção dos lugares de culto das instituições
religiosas e de suas liturgias, símbolos, imagens e objetos
culturais, tanto no interior dos templos como nas celebrações
externas, contra toda forma de violação, desrespeito e uso
ilegítimo.
§ 1o Nenhum edifício, dependência ou objeto afeto aos
cultos religiosos, observada a função social da propriedade e
a legislação própria, pode ser demolido, ocupado, penhorado,
transportado, sujeito a obras ou destinado pelo Estado e
entidades públicas a outro fim, salvo por utilidade pública, ou por interesse social, nos termos da lei.
§ 2o É livre a manifestação religiosa em logradouros
públicos, com ou sem acompanhamento musical, desde que não
contrarie a ordem e a tranquilidade pública.
Art. 7o A destinação de espaços para fins religiosos
poderá ser prevista nos instrumentos de planejamento urbano a
ser estabelecido no respectivo Plano Diretor.
Art. 8o As organizações religiosas e suas
instituições poderão, observadas as exigências da lei, prestar
assistência espiritual aos fiéis internados em estabelecimento
de saúde, de assistência social, de educação ou similar, ou
detidos em estabelecimento prisional ou similar.
Art. 9o Cada credo religioso poderá ser representado
por capelães militares no âmbito das Forças Armadas
Auxiliares, constituindo organização própria, assemelhada ao
Ordinariato Militar do Brasil, com a finalidade de dirigir,
coordenar e supervisionar a assistência religiosa aos seus
fiéis.
Parágrafo único. Fica assegurada a igualdade de
condições, honras e tratamento a todos os credos religiosos
referidos no caput, indistintamente.
Art. 10. As instituições religiosas poderão colocar
suas instituições de ensino, em todos os níveis, a serviço da
sociedade, em conformidade com seus fins e respeitada a livre
escolha de cada cidadão na forma da lei.
§ 1o O reconhecimento de títulos e qualificações em
nível de Graduação e Pós-Graduação estará sujeito,
respectivamente, às exigências da legislação educacional.
§ 2o As denominações religiosas poderão constituir e
administrar seminários e outros órgãos e organismos
semelhantes de formação e cultural.
§ 3o O reconhecimento dos efeitos civis dos estudos,
graus e títulos obtidos nos seminários, institutos e fundações
antes mencionados é regulado por lei, em condições de paridade
com estudos de idêntica natureza.
Art. 11. O ensino religioso, de matrícula
facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão
e constitui disciplina dos horários normais das escolas
públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à
diversidade cultural religiosa do Brasil, em conformidade com
a Constituição Federal e as outras Leis vigentes, sem qualquer
forma de proselitismo.
Art. 12. O casamento celebrado em conformidade com as
leis canônicas ou com as normas das denominações religiosas
reconhecidas no País, que atenderem também às exigências
estabelecidas em lei para contrair o casamento, produzirá os
efeitos civis, após registro próprio a partir da data de sua
celebração.
Art. 13. É garantido o segredo do ofício sacerdotal
reconhecido em cada instituição religiosa, inclusive o da
confissão sacramental.
Art. 14. Às pessoas jurídicas eclesiásticas e
religiosas, assim como ao patrimônio, renda e serviços
relacionados com as finalidades essenciais, é reconhecida a
garantia de imunidade tributária referente aos impostos, em
conformidade com a Constituição Federal.
Parágrafo único. Para fins tributários, as pessoas
jurídicas das instituições religiosas que exerçam atividade
social e educacional sem finalidade lucrativa receberão o
mesmo tratamento e benefícios outorgados às entidades
filantrópicas reconhecidas pelo ordenamento jurídico
brasileiro, inclusive em termos de requisitos e obrigações exigidos para fins de imunidade e isenção.
Art. 15. O vínculo entre os ministros ordenados ou
fiéis consagrados mediante votos e as instituições religiosas
e equiparados é de caráter religioso e não gera, por si mesmo,
vínculo empregatício, a não ser que seja provado o
desvirtuamento da finalidade religiosa, observado o disposto
na legislação trabalhista brasileira.
Parágrafo único. As tarefas e as atividades de índole
apostólica, pastoral, litúrgica, catequética, evangelística,
missionária, prosélita, assistencial, de promoção humana e
semelhante poderão ser realizadas a título voluntário,
observado o disposto na legislação brasileira.
Art. 16. Os responsáveis pelas instituições
religiosas, no exercício de seu ministério e funções
religiosas, poderão convidar sacerdotes, membros de institutos
religiosos e leigos que não tenham nacionalidade brasileira
para servir no território de sua jurisdição religiosa e pedir
às autoridades brasileiras, em nome daquelas, a concessão do
visto para exercer atividade ministerial no Brasil, no tempo
permitido por legislação própria.
Art. 17. Os órgãos do Poder Executivo, no âmbito das
respectivas competências, e as instituições religiosas poderão
celebrar convênios sobre matérias de suas atribuições tendo em
vista colaboração de interesse público.
Art. 18. A violação à liberdade de crença e a
proteção aos locais de culto e suas liturgias sujeitam o
infrator às sanções previstas no Código Penal, além de
respectiva responsabilização civil pelos danos provocados.
Art. 19. Esta Lei entra em vigor na data de sua
publicação.
CÂMARA DOS DEPUTADOS, de setembro de 2009.