Tal é o impacto da "caga..." de Lula que vamos lançar, em breve, um blog exclusivamente voltado para a referida declaração e seus desdobramentos, para que a História não se faça (uma vez mais) de rogada e empurre a "plena democracia" do Brasil goela do mundo abaixo.
A reação de Dima, "Não critico nem que a vaca tussa" vai muito além de colocar panos quentes e, há tempos, virou lema de vida - ou sinal de esperteza - para a maioria dos brasileiros que, por outro lado, não defende coisa alguma além do seu próprio orgulho e conta bancária.
Insisto, assim, na importante questão: Que democracia é essa, se a maioria ecoa Lula e Dilma - e alguns sofisticados imitam o Celso Amorim - no "melhor" de sua ignorância? Seria uma democracia decadente? Vejamos.
ESTADÃO Versão Impressa, domingo, 14 de Fevereiro de 2010, p A16
Também em http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100214/not_imp511095,0.php
ENTREVISTA
HUMPHREY HAWKSLEY especialista em relações internacionais
A democracia está em decadência
Adriana Carranca
A democracia vive seu momento mais crítico desde a Guerra Fria, diz o especialista em relações internacionais Humphrey Hawksley, comentarista da rede britânica BBC. Em Democracy Kills: What"s So Good About the Vote? ("A Democracia Mata: O que há de tão bom sobre o voto?", em tradução livre), lançado em outubro e ainda indisponível no Brasil, ele faz uma compilação surpreendente das ameaças ao processo democrático.
Entre elas, o poderio econômico da China, a influência cada vez maior de países como Paquistão e Irã no perigoso jogo das relações internacionais e o fracasso dos EUA no Iraque e Afeganistão. Isso não significa que a população desses países não quer democracia. Só não está convencida de suas vantagens. Para afegãos e iraquianos, o sistema não trouxe melhor qualidade de vida. Ao contrário, intensificou a violência e a pobreza, enquanto os chineses enriquecem sob o regime autocrático de Pequim e a mão pesada do Exército Popular.
Há exemplos em que o resultado do processo eleitoral não é reconhecido pelo Ocidente, como nos territórios palestinos. "O mundo vê isso e pergunta: os EUA defendem a democracia, mas desde que vença quem eles querem no poder?" Se até as eleições diretas, alicerce da democracia, estão em xeque, o que resta ao sistema? Em entrevista ao Estado, por telefone, Hawksley tenta responder à questão que deixou em aberto em seu livro.
A democracia está em risco?
Em países com instituições fracas - Legislativo, Judiciário, Ministério Público -, ela é um risco em si. Governos altamente corruptos manipulam o sistema em favor de interesses próprios, como no Congo. E não está funcionando em muitos lugares, como no Iraque. A população acaba buscando alternativas. Isso é muito comum quando as pessoas se veem colocadas em perigo pela democracia. No Afeganistão, vivia-se sob um regime autoritário, mas se seu vilarejo é bombardeado, oficiais corruptos roubam sua casa, sua mulher é estuprada, você vai preferir a volta do Taleban.
Mas a culpa é da democracia?
Em locais como Afeganistão e Iraque, sim. Veja, em 2003, os EUA invadiram o país, depuseram Saddam Hussein e entregaram a tão clamada democracia para os iraquianos. E o que aconteceu? De repente, eles se viram livres e mergulharam em uma guerra civil. Isso faz com que países como China, Rússia ou Cingapura digam para seu povo: para que isso? E as pessoas aceitam, porque estão com medo da democracia.
O que fazer, então?
Em vez de ir para Afeganistão, Iraque, Mianmar ou Cuba e dizer "queremos trazer eleições para o seu país", o certo seria ajudá-los a ter um sistema melhor de governança, com instituições fortalecidas, menos corrupção. Assim, você tira a ideologia do acordo. E a democracia virá com o tempo.
Países como Irã ou Rússia podem ser considerados democracias?
Acho que a Rússia tentou a democracia após o fim da Guerra Fria, mas não funcionou - a máfia russa tomou conta e vieram novos conflitos. Por isso, o país voltou atrás, adotando um estilo mais autoritário. A liberdade foi cerceada, não há acesso à informação. No Brasil, você tem muito mais meios de fazer críticas a Lula do que os russos ao (primeiro-ministro Vladimir) Putin. Então, nesse sentido, não é uma democracia. Já o Irã é um caso interessante, porque há um sistema. Nas eleições de junho, havia dois partidos com visões distintas muito claras. Mas, quando o povo decidiu ir às ruas protestar (contra supostas fraudes), o aparato do Estado foi para cima deles. Então, a democracia iraniana é sobreposta pelo guarda-chuva dos clérigos. No entanto, toda sociedade é assim. Na Grã-Bretanha, o Partido Nacional, de ultradireita, está prestes a desaparecer porque as pessoas o acusam de ser racista e de criar tensões entre etnias e regiões. Cada país tem seu guarda-chuva ideológico. Nós só não aprovamos o do Irã.
Havia consenso de que a economia das democracias vai melhor...
Mas, hoje nós temos a China. As pessoas se perguntam: em tempos de crise econômica e de aquecimento global, como os EUA podem ainda dar as cartas? Os Emirados Árabes, autocráticos, são outro exemplo. Trabalhadores da Índia, Bangladesh e Filipinas emigraram para Dubai, porque suas democracias não foram capazes de alimentá-los.
Mas as ditaduras não melhoraram ao se tornarem democracias?
Só há dois ou três exemplos bem sucedidos: Coreia do Sul e Taiwan. Talvez, Chile. Mas, em nenhum desses casos, a mudança ocorreu do dia para a noite. No Chile, Augusto Pinochet cometia atrocidades, mas, ao mesmo tempo, implementou a reforma econômica, que mais tarde facilitaria o ambiente para a democracia chilena.
E não estavam em guerra, como Iraque e Afeganistão...
Não, mas eles podiam ter seguido por esse caminho. A Coreia do Sul tinha a fronteira mais militarizada do mundo, com a Coreia do Norte. Taiwan poderia ter enfrentado a China com explosões, ataques suicidas, como no Oriente Médio, ou com qualquer outra arma. Podiam continuar se considerando refugiados, como os palestinos. Mas, em vez disso, eles se estabeleceram e concentraram energias em fabricar computadores. E estão fazendo isso muito bem.
Como você vê a relação econômica das democracias com a China?
Basicamente, desde o Iraque e Guantánamo, e dos episódios de tortura em Abu Ghraib, toda essa plataforma americana por democracia e direitos humanos caiu por terra. E ninguém mais está pedindo a Pequim que assine qualquer compromisso de apoio aos EUA ou de respeito aos direitos humanos, ou ainda que se transforme em uma democracia. Esses argumentos pouco importam, porque a China está no topo do mundo, não está? E os chineses estão enriquecendo e vendo sua qualidade de vida melhorar. A China é o principal desafio à sobrevivência da democracia.
E Guantánamo? Foi a pá de cal na credibilidade do sistema?
Guantánamo, Abu Ghraib, a completa falta de planejamento na ocupação do Iraque, onde os principais contratos de reconstrução foram dados para companhias americanas. Se você é um iraquiano, assistindo a tudo isso enquanto seu irmão está sequestrado, seu pai foi morto e a sua casa foi bombardeada, você se pergunta: que diabos está havendo? E os líderes autoritários se aproveitam de todo o histórico da política externa americana. Houve o Chile, Vietnã, Irã, palestinos. Desde o fim da Guerra Fria, o Ocidente tenta impor a democracia. Mas, primeiro, na condição de que concordem com quem é eleito. Segundo, sem dar nenhuma prova de que o sistema seja, de fato, mais eficaz em reduzir a pobreza e melhorar a vida das pessoas. Isso põe em perigo a democracia, porque sua credibilidade é questionada.
O sucesso da democracia depende de quem está no comando?
Depende de uma liderança que tenha como foco, todo o tempo, melhorar a qualidade de vida da população. Isso significa fortalecer as instituições, atacar a corrupção e dar tempo para a democracia prevalecer.
Mas isso não é realidade em muitos países livres. O que fazer?
Eu ainda não encontrei alguém que tenha conseguido nem sequer começar a responder isso. A pergunta que coloco logo no início do livro é: por que o Haiti (antes do terremoto de janeiro) é tão pobre se teve à disposição o que a democracia pode oferecer e Cuba, embora não seja um país rico, é estável e a população tem acesso a educação e saúde? Alguém pode responder?
Regimes autoritários são bons?
Digamos que, se a democracia é mesmo o caminho, então terá de se provar porque o Ocidente não em sido eficiente em convencer o mundo disso. O autoritarismo não é bom, mas a democracia precisa de um ambiente propício. Só quando se está preparado para votar em ideias, e não em etnias ou grupos, a democracia prevalecerá. Enquanto se votar pelo candidato sunita ou xiita, indiano ou paquistanês, não. Nos EUA, o fato de Obama ter sido eleito significa que os americanos venceram o elemento racial e aprenderam a votar em quem tinha as melhores ideias.
Após dois mandatos de Bush...
Bem, sim (risos). Acho que Bush foi um catalisador, mas se os americanos não considerassem votar em um negro, teriam eleito Hillary Clinton. E levou mais do que dois mandatos de Bush para que os EUA chegassem a isso. A guerra civil acabou em 1864, mas o direito de voto só foi dado aos negros em 1964. Foi preciso um século de negociações e processos democráticos. Mas, se houver melhora a cada geração, estaremos bem. Veja Taiwan: gradualmente permitiu à população enriquecer e, então, comprar propriedades e, com isso, pagar impostos, o que levou à inclusão do povo no debate sobre o gasto público e a um papel maior da imprensa, que, por sua vez, pressiona por um Judiciário independente. A democracia precisa de tempo para amadurecer.
Como vê a democracia no Brasil?
No fim da Guerra Fria, a América Latina tinha instituições desenvolvidas e uma política dividida entre esquerda e direita. Apenas isso já coloca o Brasil e seus vizinhos muito à frente dos países do Oriente Médio, África e parte da Ásia, onde as eleições têm bases étnicas, tribais ou religiosas.
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O entrevistado dá uma resposta muito tosca à última pergunta, além de limitada ao período imediatamente posterior ao fim da guerra fria. Parece evidente que evitou dar uma opinião pouco elogiosa.