Após assistir ao filme AVATAR pela terceira vez, com intervalo de alguns dias entre as idas ao cinema, senti vontade de escrever. Ao tentar expressar o que sentia, saiu isto:
A vista do alto não é uma ilusão. É uma realidade que não requer interpretações.
- Não entendi... E o que isso tem a ver com o filme? - você reclama.
Espero que você seja um leitor digno do filme, capaz de ir também até o fim deste texto. Passar batido não vale... nem no filme, nem aqui.
Analisemos a declaração "Eu vejo você" (I see you), dita inúmeras vezes. A grande maioria reduz esse eu vejo você a um mero "eu te amo" em outras palavras. Essa é uma redução radical.
Luiz F. Pondé, professor de pós-graduação em ciências religiosas, em sua coluna na Folha, condenou o filme, do qual, segundo ele, emana um romantismo idiota. A agressividade que caracteriza fortemente sua crítica pode ser explicada.
Mas meu objetivo aqui é tentar levar você, leitor, a perceber o contraste entre o que você conhece - eu te amo - e eu vejo você.
Mesmo para alguém apaixonado e que seja correspondido, deparar-se com a declaração eu vejo você provocaria a sensação de ser invadido. E você, embora tenha facilmente equiparado eu vejo você a eu te amo, não se veria igualmente à vontade com as duas expressões. Tente uma encenação, em que tenha de declarar eu vejo você.
É o genuíno eu vejo você - não reduzido a 'eu te amo' - o que mais cabalmente distingue a pureza de Pandora (de seus habitantes), mais do que a ligação com a natureza.
O filme não é menos explícito ao associar desprendimento, pureza e aprendizado do que ao revelar as demais regras de Pandora que, contudo, o chefe de segurança do projeto Avatar totalmente ignora, em favor do assaltar-aniquilar-sobreviver. E ele não é o único ignorante.
Os humanos no Plano, não iniciados espiritualmente, rasgando o céu em aeronaves, são chamados pelos "primitivos" de Pandora de povo do céu...
Repare, afinal, a sutil ironia dessa denominação:
"O Povo o Céu não pode aprender. Já tem seu pote cheio".
"Meu pote está vazio", responde Jake Sully. Jake conquista Pandora não com a luta de um fuzileiro, mas com a luta de seu caráter.
Primeiro, Jake diz que se apaixonou pela floresta, pelo povo e por ela... a jovem mais bem situada da tribo. Mas até o eu vejo você haveria muito aprendizado.
Teria sido um disparate se Grace, a cientista, tivesse julgado mapear a pureza - que as sementes da Árvore Sagrada simbolicamente apontam em Jake - em termos de reações biológicas. Felizmente, Grace totalmente ignora o fator primordial da 'outra civilização'. A pureza? Sim; precisamente.
É a falta de pureza o que levaria a grande maioria de nós a se sentir invadido com eu vejo você, e a se ver incapaz de verdadeiramente declarar isso para alguém. A hipocrisia é que é a nossa marca.
Essa falta de pureza é "preenchida" com orgulho. E com intolerância. A crítica agressiva daquele professor, vinculado ao departamento de teologia da PUC, também é indicador de impureza (falta da pureza).
O povo de Pandora não fala em deus. Mas qualquer cristão - leia-se pote cheio - entende que deus 'verdadeiro' - o deles, cristãos (êta pote cheio!) - é, no filme, substituído, que heresia! (intolerância), por uma árvore. Ou, pior, duas árvores: a sagrada e a das almas.
Isso quase certamente foi o que desencadeou a ira com que aquele professor, colunista da Folha, banha seu repúdio ao filme 'idiota'.
O filme, para os que pensam em direção ao Alto, permite conclusões adicionais. Uma delas: a pureza não está no DNA. Jake conquistou a liderança de Pandora, mas seu irmão-gêmeo não necessariamente teria feito o mesmo. Provavelmente, não teria feito, já que pureza é raridade neste Plano dos humanos.
O irmão-gêmeo assassinado, é dito no início do filme, viajara muitos anos-luz em busca de respostas. Jake, o gêmeo sobrevivente paraplégico, foi mais eficiente e eficaz. Seu 'coração forte' (strong heart) o manteve na busca, em vez de levá-lo a se entregar à ansiedade e se agarrar aos aproveitadores que convencem de que determinada religião é a mais correta.
O que irrita ainda mais aquele cujo pote está cheio de teologia cristã é que a Árvore é chamada Sagrada. A teologia cristã é monopolista e, se superficialmente tolera outras "igrejas", é deixando inconteste que elas são inferiores: "Cadê a tradição?", esnobam.
Tradição. Mais um indicador de pote abarrotado.
Há jeito para isso? Dá para 'esvaziar' o pote?
O final do filme mostra aos mais atentos que Jake falso teve de ser 'desligado' para seu avatar (leia-se ser autêntico) definitivamente viver.
O pote de Jake não estava vazio, afinal. Algo sempre há no pote. O crucial é não se fechar à revisão do que há no pote. A pureza e desprendimento de Jake conduzem ao sim: é possível 'esvaziar' o conteúdo do pote e, por fim, desprezá-lo em favor da Resposta.
O DNA não interfere nesse processo. Mas um 'belo cérebro', com boa atividade - atributos conferidos ao cérebro de Jake - é fundamental.
"Não nasci para cavalos, mas isto aqui é para mim".
Essa fala de Jake se alinha com nossa metáfora de Plano e Alto. Cavalos não deixam o Plano. Jake queria voar, elevar-se.
A mente, como bem defendido até no livro de Dan Brown O Símbolo Perdido, é o Templo. É a via de ligação. Graças a ela, decolamos.
Voltando ao início do texto, "a vista do alto não é uma ilusão. É uma realidade que não requer interpretações". Enquanto no Plano, as interpretações são consideradas conhecimento e até sabedoria. Nos pontos que ousam se elevar do Plano, a visão é. E não se tem sabedoria nesse caso?
Sim; mas essa sabedoria é intransferível, a não ser por um códígo próprio às almas. A
psicologia, a teologia, todas as teorizações sobre deus e o ser são,
então, desnecessárias. E o amor deixa de ser cego. Diante do outro, também no Alto, tudo o que cabe
ser dito é eu vejo você.
O artigo de Luiz F. Pondé pode ser lido em:
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