Wednesday, January 6, 2010

AVATAR - toda a espiritualidade que você deixou passar batido

Após assistir ao filme AVATAR pela terceira vez, com intervalo de alguns dias entre as idas ao cinema, senti vontade de escrever. Ao tentar expressar o que sentia, saiu isto:

A vista do alto não é uma ilusão. É uma realidade que não requer interpretações.

- Não entendi... E o que isso tem a ver com o filme? - você reclama.

Espero que você seja um leitor digno do filme, capaz de ir também até o fim deste texto. Passar batido não vale... nem no filme, nem aqui.

Analisemos a declaração "Eu vejo você" (I see you), dita inúmeras vezes. A grande maioria reduz esse eu vejo você a um mero "eu te amo" em outras palavras. Essa é uma redução radical.

Luiz F. Pondé, professor de pós-graduação em ciências religiosas, em sua coluna na Folha, condenou o filme, do qual, segundo ele, emana um romantismo idiota. A agressividade que caracteriza fortemente sua crítica pode ser explicada.

Mas meu objetivo aqui é tentar levar você, leitor, a perceber o contraste entre o que você conhece - eu te amo - e eu vejo você.

Mesmo para alguém apaixonado e que seja correspondido, deparar-se com a declaração eu vejo você provocaria a sensação de ser invadido. E você, embora tenha facilmente equiparado eu vejo você a eu te amo, não se veria igualmente à vontade com as duas expressões. Tente uma encenação, em que tenha de declarar eu vejo você.

É o genuíno eu vejo você - não reduzido a 'eu te amo' - o que mais cabalmente distingue a pureza de Pandora (de seus habitantes), mais do que a ligação com a natureza.


O filme não é menos explícito ao associar desprendimento, pureza e aprendizado do que ao revelar as demais regras de Pandora que, contudo, o chefe de segurança do projeto Avatar totalmente ignora, em favor do assaltar-aniquilar-sobreviver. E ele não é o único ignorante.

Os humanos no Plano, não iniciados espiritualmente, rasgando o céu em aeronaves, são chamados pelos "primitivos" de Pandora de povo do céu...

Repare, afinal, a sutil ironia dessa denominação:
"O Povo o Céu não pode aprender. Já tem seu pote cheio".
"Meu pote está vazio", responde Jake Sully. Jake conquista Pandora não com a luta de um fuzileiro, mas com a luta de seu caráter.

Primeiro, Jake diz que se apaixonou pela floresta, pelo povo e por ela... a jovem mais bem situada da tribo. Mas até o eu vejo você haveria muito aprendizado.

Teria sido um disparate se Grace, a cientista, tivesse julgado mapear a pureza - que as sementes da Árvore Sagrada simbolicamente apontam em Jake - em termos de reações biológicas. Felizmente, Grace totalmente ignora o fator primordial da 'outra civilização'. A pureza? Sim; precisamente.

É a falta de pureza o que levaria a grande maioria de nós a se sentir invadido com eu vejo você, e a se ver incapaz de verdadeiramente declarar isso para alguém. A hipocrisia é que é a nossa marca.

Essa falta de pureza é "preenchida" com orgulho. E com intolerância. A crítica agressiva daquele professor, vinculado ao departamento de teologia da PUC, também é indicador de impureza (falta da pureza).

O povo de Pandora não fala em deus. Mas qualquer cristão - leia-se pote cheio - entende que deus 'verdadeiro' - o deles, cristãos (êta pote cheio!) - é, no filme, substituído, que heresia! (intolerância), por uma árvore. Ou, pior, duas árvores: a sagrada e a das almas. 

Isso quase certamente foi o que desencadeou a ira com que aquele professor, colunista da Folha, banha seu repúdio ao filme 'idiota'.

O filme, para os que pensam em direção ao Alto, permite conclusões adicionais. Uma delas: a pureza não está no DNA. Jake conquistou a liderança de Pandora, mas seu irmão-gêmeo não necessariamente teria feito o mesmo. Provavelmente, não teria feito, já que pureza é raridade neste Plano dos humanos.

O irmão-gêmeo assassinado, é dito no início do filme, viajara muitos anos-luz em busca de respostas. Jake, o gêmeo sobrevivente paraplégico, foi mais eficiente e eficaz. Seu 'coração forte' (strong heart) o manteve na busca, em vez de levá-lo a se entregar à ansiedade e se agarrar aos aproveitadores que convencem de que determinada religião é a mais correta.

O que irrita ainda mais aquele cujo pote está cheio de teologia cristã é que a Árvore é chamada Sagrada. A teologia cristã é monopolista e, se superficialmente tolera outras "igrejas", é deixando inconteste que elas são inferiores: "Cadê a tradição?", esnobam.

Tradição. Mais um indicador de pote abarrotado.

Há jeito para isso? Dá para 'esvaziar' o pote?

O final do filme mostra aos mais atentos que Jake falso teve de ser 'desligado' para seu avatar (leia-se ser autêntico) definitivamente viver.

O pote de Jake não estava vazio, afinal. Algo sempre há no pote. O crucial é não se fechar à revisão do que há no pote. A pureza e desprendimento de Jake conduzem ao sim: é possível 'esvaziar' o conteúdo do pote e, por fim, desprezá-lo em favor da Resposta.

O DNA não interfere nesse processo. Mas um 'belo cérebro', com boa atividade - atributos conferidos ao cérebro de Jake - é fundamental.

"Não nasci para cavalos, mas isto aqui é para mim".

Essa fala de Jake se alinha com nossa metáfora de Plano e Alto. Cavalos não deixam o Plano. Jake queria voar, elevar-se.

A mente, como bem defendido até no livro de Dan Brown O Símbolo Perdido, é o Templo. É a via de ligação. Graças a ela, decolamos.

Voltando ao início do texto, "a vista do alto não é uma ilusão. É uma realidade que não requer interpretações".  Enquanto no Plano, as interpretações são consideradas conhecimento e até sabedoria. Nos pontos que ousam se elevar do Plano, a visão é. E não se tem sabedoria nesse caso? 

Sim; mas essa sabedoria é intransferível, a não ser por um códígo próprio às almas. A psicologia, a teologia, todas as teorizações sobre deus e o ser são, então, desnecessárias. E o amor deixa de ser cego. Diante do outro, também no Alto, tudo o que cabe ser dito é eu vejo você.


O artigo de Luiz F. Pondé pode ser lido em:

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