Pondé - aquele filósofo, e não teólogo - cujos ensaios vivem me aborrecendo, há pouco me causou resposta bem diferente. "As feias e os covardes", em sua coluna de hoje, me fez sorrir. E, quando o epísódio em certa agência da Nossa Caixa se deu, pouco depois, a fresca lembrança do artigo de Pondé recém-lido me fez quase gargalhar.
Obrigada, Pondé. Esse artigo de hoje valeu mais do que mil desabafos.
Há algum tempo vinha sendo atormentada com a ideia de publicar, neste meu blog, relatos quase inacreditáveis - e a explicação que eu apresentaria para tais ocorrências seria tão chocante, que eu temia ser furiosamente tachada de neurótica, ou convencida. Ou coisas piores.
Com seu artigo de hoje, Pondé, minha vida mudou. Você tirou as palavras apenas ensaiadas da minha boca temerosa e colocou-as ao vento absolutamente arrojado, intimorato. Vou emoldurar o artigo - manter uma "cópia" digital não bastará. Além disso, não vou mais sair de casa sem ele; melhor, sem algumas cópias dele, que vou,uma a uma, entregar para toda feia que me atazanar a partir de agora.
Semana passada, um amigo me perguntou três vezes: "Ela te disse isso"?! "Não duvido de você, não" - ele acrecentou. - "Mas que coisa"...
Comentávamos sobre o caso da Uniban e, então, para ilustrar meus argumentos, contei a tal amigo sobre o que aconteceu há uns dois meses, no restaurante "fino" da FEA, o Sweden:
"A dona, parecendo aflita, interrompeu minha refeição para me dizer que outra cliente havia depositado, outro dia, um papelzinho na caixa de sugestões, para reclamar por eu 'comer pãozinho no buffet'".
"Comer pãozinho no buffet"... - meu amigo repete jocosamente.
Outra com dor de cotovelo.
Desabafei para a dona do restaurante: "Você pode ver que faço tudo para não chamar atenção. Mas"...
Ela mesma completa: "Mas você chama, não é"?
Ela insistia no mesmo ponto, apesar de eu ter também alegado que aquilo era ainda mais estranho porque sempre espero "o buffet ficar vazio" para me servir.
Passei a evitar o restaurante. Dias depois, fui até lá apenas para deixar um recado para um dos empregados. Sobre um contato, outra oportunidade... Ele havia saído há dois minutos. Aproveitei para, valendo-me de uma das mesas do corredor, ajeitar alguns pertences na bolsa... A dona aparece. "Vim agradecer pessoalmente as sugestões que você fez".
Sim, eu decidira também fazer sugestões. Só que sensatas. E recebi a dona com boa vontade, achando que ela era autêntica. Errei.
Logo ela vem com a neura: "Você fala como se fosse perfeita. Ninguém é perfeito".
Fiquei sem apresentar outra reação por algum tempo. Até que balbuciei. "Não se diz coisas assim para um cliente". Ela nem ligou. No meio do lixo que escapava de sua boca, saiu também isto, que eu gravei: "Você chama muita atenção". Por fim, disparou: "Acho muito agradável quando você não está aqui", sua face toda retesada, embora ela tentasse passar naturalidade.
Hoje, o banco. Nossa Caixa. Dia de pagamento. Duas horas de fila.
Como o banco encerrara o expediente, o atendimento era então agilizado. Estava com os olhos presos no visor de senhas, contagem regressiva para ir embora dali. Então, uma funcionária, com sorriso visivelmente forçado, diz para mim: "Você não quer sentar[-se] ali"? "Esta é minha mesa". Prontamente me levantei. Não estava à mesa. Havia afastado a cadeira da mesa, não só para não passar eu por funcionária e ser abordada por clientes, como também para poder desviar da coluna e ver o mostrador das senhas.
A tal funcionária "guardou a cadeira". Ajeitou-a junto à mesa e foi embora.
Gente, que louca! - pensei. Vi que ela era raquítica. Bonita não era.
Puxo a cadeira, agora afastando-a mais da mesa.
Para onde ela foi? Vi que a funcionária atendia na plataforma que fica na outra extremidade do salão.
Após uns quinze minutos, um dos seguranças se aproxima, dizendo: "O encosto desta cadeira está quebrando. (mentira é fod...) A senhora não quer se sentar ali"? Grata. Mas fiz que não queria, com a cabeça. O segurança não arreda pé. E, então, afirma: "Esta é a cadeira da gerente". Ha...a cadeira da gerente está quebrando - disse eu para meus botões. E "não há ninguém agora" - disse para ele. "Daqui a pouco ela vai usar". Ah, ele se preocupa comigo, mas não com a gerente... "Ok. Assim que ela vier, eu saio". Ele perde a calma: "A senhora não é facil mesmo. Não é fácil não". E assim resmungando, se afasta.
Eu respondo: "Eu é que não sou fácil? Eu? Há uma psicopata nessa história, e eu é que não sou fácil. Tá bom". Todos olhavam agora.
O segurança deve ter ido buscar reforços, porque, dali a pouco, outro, sorrindo, volta-se para mim e diz para um terceiro segurança: "Deixa ela lá. Ih, deixa ela lá sossegada".
Eu tomava notas da inusitada ocorrência. Adorando, graças a Pondé. Agora eu tinha o respaldo de um filósofo - meio trapalhão, é verdade. Mas isso agora não era tão importante. O filósofo tivera um lampejo e eu tinha sido salva!
Para o terceiro segurança, agora perto de mim e também sorrindo - este me conhecia e me admirava -, dou um recado: "Diga para ela ler o artigo de hoje de Luiz Felipe Pondé, na Folha: As feias e os covardes". Ele continua sorrindo, assentindo discretamente com a cabeça. "Vou publicar essa história. Tem tudo a ver com o artigo dele" - acrescento.
Olho para o mostrador. Minha senha! Minha vez!
P.S. Pondé, "cá entre nós", seu giro teológico bem que podia ter ficado de fora!
As feias e os covardes
Por Luiz Felipe Pondé, publicado hoje em sua coluna na Folha, 7 de dezembro de 2009
Mulheres feias detestam mulheres bonitas. Homens com menos sucesso invejam homens de grande sucesso. Nenhuma sociedade pode mudar isso.
AS PESSOAS não são todas iguais, umas são melhores do que outras, mais inteligentes, mais bonitas, mais generosas. Sinto muito se isso é duro de ouvir. O hábito de matar o mensageiro é antigo como a roda. Normalmente as menos dotadas odeiam as mais dotadas.
Nenhuma sociedade pode mudar isso, e as que tentaram apenas multiplicaram o número das pessoas mais feias e menos inteligentes e mais pobres e menos generosas e mais miseráveis e menos capazes.
Mulheres feias detestam mulheres bonitas (lembremos do maravilhoso filme "Malena" de Tornatore: as mulheres a odiavam porque todos os homens a queriam), homens com menos sucesso invejam homens de grande sucesso (inclusive porque as mulheres não resistem a homens de sucesso, e fracassados não pegam ninguém ou só pegam as feias).
E mais: a acusação de que toda mulher bonita seja burra é a esperança das feias, sua pequena vingança contra a beleza que não têm. Não é apenas o homem inseguro que teme a inteligência numa mulher bonita, as feias também temem. Elas, as feias, ficam, à noite ou pelos cantos do escritório, tramando como jogar sobre a bela e inteligente colega a suspeita de que a inteligência reconhecida no trabalho se deve à cama.
Vale notar que, ao contrário do que as mulheres supõem, nem todo homem suporta muito tempo uma mulher burra, mesmo que bonita. Se for por uns 30 minutos, aí tudo bem.
Ela é feia e sozinha e invejosa e raivosa? Ela desejará destruir sua colega bonita e inteligente e doce e cheia de namorados. Ele é pobre e sozinho e azedo e medroso? Ele desejará destruir seu colega bem sucedido e charmoso e bem humorado e cheio de namoradas. Se o fantasma da mulher é a falta de beleza, o do homem é a falta de coragem. Banal assim.
Existe uma série de códigos para homens e mulheres, e esses códigos sempre determinam o sucesso da relação entre sexos. Existem exceções? Claro que sim. São os famosos milagres, e eu acredito neles, mas nunca serão produzidos em massa através de políticas públicas. Uma das causas da raiva dos ateus contra Deus é porque Ele não é mais democrático na distribuição de milagres.
Esse ódio não é causado pela miséria social (que apenas cria condições para que ele se desenvolva mais ainda). Ele é causado pela insegurança estrutural do ser humano e pelo fato de que a beleza (como signo do que desperta a inveja) é sempre minoria no mundo, e todo mundo quer destruí-la por que não a tem. O ódio pela beleza é um fato científico. Isso não é ideologia, é ciência.
Uma mentira comum cresceu nos últimos anos. Qual? A de que dizer esse tipo de coisa que estou dizendo significa que "não respeito as pessoas feias e bobas". É claro que as pessoas podem ser o que quiserem ser, inclusive bobas. Ninguém tem obrigação de entender que o mundo não é o que ele gostaria que fosse em sua cabecinha. O problema é o risco que elas dominem o mundo...
A afirmação dos mentirosos é que quando se dizem coisas assim, se peca contra a humildade. É claro que estou levantando o nível do debate e o afastando dessa tagarelice sobre "direitos de sermos bobos e iguais". Mas a mentira está no fato de que a preocupação dos mentirosos não é com a humildade, mas sim com a repressão da diferença que faz diferença, ou seja, a diferença que cria hierarquias entre as pessoas.
Pensemos no caso da beleza das mulheres ou do sucesso profissional entre os homens, ambos objetos claros de inveja: um dia desses, os mentirosos inventarão uma lei que proibirá as mulheres de serem bonitas em nome da autoestima das feias e proibirão os homens bem-sucedidos de terem carros caros em defesa da dignidade do metrô.
Duvida? Basta algum mentiroso inventar que isso é "necessário para um justo convívio democrático".
A ditadura "dos ofendidos" é um dos maiores instrumentos contra a inteligência pública e livre em nossos dias.
Humildade é como coragem, só se mede coragem diante da morte ou de algo parecido. A mesma coisa com a humildade: só se mede humildade quando você tem razões objetivas para não ter humildade. Assim como a coragem não brota entre covardes, a humildade é uma agonia apenas para quem tem razões de ser orgulhoso.
Fazendo um giro teológico no argumento (em nome do espírito natalino): Cristo não é grandioso em sua humildade porque era um pobre miserável filho de carpinteiro (isso seria fácil, logo não seria virtude nenhuma), mas porque era Deus, o "Cara".