Friday, October 9, 2009

Vovozinha? Para que um acordo desses, com centenas, se a paz de Cristo é o que importa?

No que vai dar esse acordo?

Essa é a pergunta que todos fazem. Uma indicação de que algo mudou está bem evidente na Av. Higienópolis, onde fica a sede da Cúria em São Paulo: o mausoléu, antes mal cuidado, com atmosfera de casa assombrada, agora está pintado e, sobretudo, as duas bandeiras - Brasil e Vaticano - junto à entrada principal são, para mim, um eloquente símbolo de que deus na Terra anda fazendo das suas... com disposição extra.

A Folha, além da chamada na primeira página na edição de 8 de outubro, alardeou na pág A9: "Senado aprova acordo com Igreja Católica". O Estadão, nada na primeira página: passaria um quê de importância positiva, e este jornal foi contundentemente contra essa aprovação, sobre o que darei detalhes adiante. Na pág. A21, a manchete era quase igual a do outro jornal: "Senado aprova acordo com Vaticano".

Igreja Católica ou Vaticano? Qual dos dois foi mais cuidadoso na terminologia?

Nenhum dos dois. Tratando-se de relações internacionais, a entidade a mencionar é a Santa Sé. A Folha parece tentar esquecer isso, assim dando corda para os evangélicos, que fazem pressão pela isonomia, tendo conseguido um cala-boca, uma pré-aprovação de uma Lei Geral das Religiões, pura manobra dos deputados diante da agitação que despontou quando da aprovação do acordo naquela casa, no final do mês de agosto. Não há como pensar em isonomia, já que a Santa Sé, a personalidade jurídica, tem um estado independente - o Vaticano - como sede. E os evangélicos não têm isso. Nenhuma outra religião tem. Nem de longe cabe, na trajetória deles, um Sumo Pontífice.

A m... está feita desde novembro do ano passado, quando Lula foi até Roma, até o Vaticano. E o desolador é que o "argumento" que prevaleceu entre os legisladores para o acordo passar agora também no Senado é que "o mesmo acordo foi feito em mais de cem países". Grande raciocínio, não? Por que não fazer um divórcio, já que metade dos casais fazem? Por que não fumar, se todos vão morrer? É... inteligência é coisa rara. Homo sapiens, um tremendo exagero.

Bem mais esclarecedor é indagar o que acontece quando o acordo não é fechado, ou seja, quando o pais resiste à investida da Santa Sé. O Estado publicou matéria, no dia em que anunciou a aprovação pela Câmara, 28 de agosto, que aponta a Eslováquia como um país cujo primeiro-ministro disse não ao Sumo Pontífice (papa). E daí? O partido ligado mais fortemente à Santa Sé - o dos democratas cristãos - retirou seu apoio ao governo e aquele primeiro-ministro caiu.

Outra enganação é que a Folha, com forte inclinação para ser didática, estampou um quadro - bem sabe esse diário que esperar que a maioria leia um texto é delírio - mostrando... que nada muda com o acordo; ele apenas preserva a Santa Sé de ações trabalhistas. Coisa para boizão dormir. Vovozinha... se nada muda, para que o acordo? Nós, brasileiros, não aprendemos nada com a fábula do Chapeuzinho Vermelho? O Lobo disfarçado de Vovó bondosa?

Ambos os jornais afirmaram que o acordo tem vinte itens. E só mostram cinco. E os outros quinze, Vovozinha?

Já publiquei aqui comentários ao acordo, pouco depois da sua celebração no Vaticano. Leia
http://mariangelapedro.blogspot.com/2009/08/vaticano-e-bafafa-na-camara-e-fora-dela.html
para pegar o fio da meada. Nesse link você tem acesso a tudo o que já publiquei sobre o tema.

O que deixei de fazer antes, mas faço agora, foi enaltecer a iniciativa do Estado, com editorial de 02 de setembro, "A fé como negócio". Essa foi a única avaliação que encontrei, que aponta como o acordo escancara as portas para a lavagem de dinheiro, toda a sorte de negócios escusos. E isso há muito tempo é uma realidade no que concerne ao Banco do Vaticano. Por fim, esse editorial pede que o Senado não aprove o acordo:

Tendo o presidente Lula cometido o equívoco de assinar esse acordo [...] vamos esperar que o Senado [...] aproveite essa oportunidade de merecer um aplauso da opinião pública.

Opinião pública. Aí houve exagero: praticamente ninguém estava, então, a par dessa história. Entretanto, apontar claramente o equívoco do acordo foi deveras audaz, além de pertinente.

A aprovação não surpreendeu, não a mim. Bem antes dela, as bandeiras já tremulavam lado a lado.

O poder - eminentemente autoritário - sempre foi a base do papado católico, com pretensões universais que fazem de Hitler um cordeirinho. E as circunstâncias cada vez mais favorecem esse tipo de poder, inclusive a atual crise mundial, que fez de todos, sem um "estado forte e protetor", uns imbecis, incapazes de sobreviver. Sim, podem estar certos de que uma coisa - a crise - está ligada à outra, à grande disposição da Santa Sé para acordos.

Acordo?... ora, se o poder cai quando o acordo é rejeitado, que raios de acordo é esse, Vovozinha?

texto revisto em 14 de outubro

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