Acho o texto dele chato, embora tenha algumas metáforas muito criativas, bonitas. A mensagem geral, porém, passa muito de "o meu [carnaval] é melhor", o carnaval melhor "é que está em mim". Betto, vale mais a pena notar este aspecto, é por vezes rebelde e se esconde naquele emaranhante palavrório - e isso é genial.
Eis, agora, minha própria tentativa, em recesso carnavalesco, para o genial. Não se desesperem por não entenderem "lhufas"; lembrem-se então de que muito mais desesperados estariam vocês com o texto de Betto. Insisto: este meu texto também é para quem possui aqueles quatro estômagos no cérebro.
Também é carnaval em mim
Neste carnaval não escrevi porque esqueci o papel. E não é essa a fundamental condição da palavra? E da Palavra?
Neste carnaval, li: colhi, desconstruí, recolhi. Reaprendi a ser impenetravelmente sutil com Frei Betto, incubado de um Carnaval que igual não há.
Marcaram o reaprendizado a desordenação do tempo, que não vê festivais, épocas e - não mais - 'estações do ano'. Pingos evaporaram sem direito a descansar, sob o calor que irrompeu pela magia da bênção do céu, de pingos tão certeiros quanto os que lançava do baldinho de prata, meu amado padre desaparecido há vários carnavais.
Tendo lido, pondero: impossível - uma vez entronizados na escola da hipocrisia, dela não fazemos mera máscara, não importa a quem confessemos nossa eterna corrupção. União com Deus não pode mais haver, e todos os passos na Avenida não passam; não passam de cutucadas insossas no que desconhece Deus, jamais carne, jamais hostializado, quer pentecostal, quer apoteótico.
Mesmo sem deter o controle daquela máscara, brinco a valer no meu camarim exclusivo, insinuando-escondendo; incitando-renegando; atraindo-repudiando. Afinal, não haverei de me acabar no vil cerimonial, se adotei a máscara em contumaz ritual, se não me conheço desde o outro carnaval.
Pudera - isto nunca foi verbo de pudor. Se houvesse o tal verbo, e não apenas a família sem verbo, minha reputação seria diferente, graças aos evangelhos terceirizados de minha infância que, também pudera, não passa - como a sua - de um terço; um terço da vida de cinzas depois da carne aproveitar.
O que disse? Não preciso explicar. Nem o Frei. O talento é para ser exibido; e exibido, não se submete. Remexe, levanta poeira, dá a volta por baixo mesmo.
Amor? Não é à toa, rima com pudor - por isso é dor. Amor sem dor é como a aleluia expulsa do carnaval - não assim se chamava o sábado?, feito oxímoro herege, escolha estúpida que não resiste a uma cantada, que dirá a uma canetada papal.
Ponto final. Quarta-feira é que se acaba, fora de hora; como sempre. Nunca é hora de cinzas, porque o que não esmorece com o alienante ritmo sem estribilhos chama-se esperança - rainha de um reino que não implica com Jacós, alegria única que pertence a um tempo só. Para ela convergem tanto o passista quanto o maestro. Mas dela ficam de fora as trindades absolutistas de impérios demarcados por alegorias, sempre, sempre tão convencidas - do umbigo para fora.
E se chegamos ao meio de uma quarta-feira-meio para a retomada do fundamentalismo umbicêntrico, estamos trôpegos. Recomeço mesmo assim, com uma lista de vocábulos extraídos do artigo do Frei, para cotejar no dicionário virtual. Se dominar tais vocábulos, viro avesso também, rendida à ilusão de ter-me tornado grande coisa.
Fora? Cor de roxo; se pinto as cinzas de roxo - que genial! - deixam de ser cinzas. Foi mesmo simples assim que um Homem virou um Vértice, aquela coisa saliente em Tri-coisas. E foi simples assim que hoje li sobre aquele Verbo e o carnaval do Frei. E tudo mudou: o verbo do frei estava em minúscula; e o Carnaval, em maiúscula.
O artigo de Frei Betto está aqui:
http://pavablog.blogspot.com/2009/02/e-carnaval-em-mim.html
ou na Folha (é preciso ser assinante com senha):
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2402200908.htm