Friday, March 20, 2009

Fale mal, mas fale tudo: a fé é da Santa Sé

Sinto que volto,
e isso é que é
reconquistar a fé.

Longe, percebia fé que se perde
- tão díspare! - da fé que
nos sentenciam como perdida
em sentença arrogante,
por causa de uma irrisória dissidência
que nada muda -
quer para os arrogantes que sentenciam,
quer para os 'infiéis' que assim
a fé não podem perder.
...
Escrevendo, volto ao caminho
da verdadeira comunhão.
E a fé que - esta sim - não posso
jamais perder de vez
volta a mim...
MP

No dia 12, publiquei neste blog os versos acima, que constituem uma pequena parte de "Filho do Homem, voltei". Felicíssima coincidência, no mesmo dia a Folha publicou, no privilegiado espaço da p. A3 "Tendências/debates", o artigo de Horacio Lafer Piva, "Contato imediato de mais alto grau".

A coincidência é mesmo total; reparem que, no final do meu poema, registro que eu o havia escrito no dia anterior (11/03). E nada comento no dia 12 sobre o texto de Piva, porque só fui ler a Folha tarde da noite, bem depois de já ter postado meu poema. Em suma, eu não sabia do texto de Piva, ele não sabia do meu.

Ao perceber a coincidência, tomei nota para tecer mais comentários sobre o tema. Pena, ficou na fila; ando absurdamente ocupada.

Piva fala de sua opção por uma fé sem intermediários, o que se reflete no título de seu artigo - é tal independência da religião formal, especificamente da católica, o que está na base de seu "contato imediato de mais alto grau". Seus argumentos para desprezar a intermediação se desenrolam como se fios que tivessem aqueles meus versos como o novelo. Sem floreios: Piva diz o mesmo que eu.

Vejamos atentamente as semelhanças:

"... impressiona a presunção de um religioso ao decidir se alguém pode ou não ter o direito a comungar com Deus" - escreveu Piva.

...a fé que se perde - tão díspare! - da fé que nos sentenciam como perdida em sentença arrogante... Escrevendo, volto ao caminho da verdadeira comunhão...

Estes meus versos igualmente apontam a tal presunção, ressaltando a arrogância que a acompanha intimamente. Faço distinção entre duas fés (tão díspares); e declaro que reconquisto a fé - aquela que não se perde por sentença proferida pelos presunçosos -, ao voltar ao caminho da verdadeira comunhão, apenas escrevendo; portanto, também dispensando intermediários.

Piva se alonga, mas o ponto central de seu texto é exatamente aquele - para nós, quase inconcebível - julgamento, tal condenação de uns "donos da comunhão" em relação a outros, sem que aqueles - os que condenam - sequer consigam sair moralmente ilesos de seus atos mais comuns.

Tanto Piva, em seu texto, quanto eu, naqueles versos, nos atemos ao lado espiritual. Mas essa não é a única faceta pela qual se impõe a igreja católica. Ao relembrar a faceta política, não me é possível deduzir se Piva e eu seríamos, novamente, uma só voz.

Ainda no que tange à igreja, a maioria, por tradição e inércia, supervaloriza o lado espiritual, minimizando o político. A coisa certa, contudo, é o inverso: a igreja sempre foi essencialmente política. Sempre.
Ao "esquecermos" a utilidade da fé para a sustentação da igreja, elaboramos comentários satíricos como este, de Piva, no mesmo texto:

"É capaz de ter de ler em breve alguma réplica furiosa...ou, no limite, vir a saber que ando na lista de títulos cancelados do clube dos céus".

Embora não faça disso o ponto central de meu poema, está também presente nele a crítica a "pontos de honra" da igreja, bem como a contradição que sempre consegue se destacar, ou mesmo "roubar a cena":

Sou pecadora se faço sexo. E nada muda para a gente a mim muda se deixo de fazê-lo. Se amo à distância, sou também pecadora. Se desisto de amar, ligo-me a eles -mas é justamente isso que não querem.

Talvez Piva, como muitos, parta do pressuposto de que o lado político da igreja corresponda a um "lamentável desvio", tendência exclusiva da índole de alguns ou mesmo de muitos. Mas, sempre, um desvio. Imbuídos desse viés, minimizamos o fator essencial e falhamos na elaboração de explicações robustas para a atuação "arrogante" do papado. Apenas nos esmeramos em críticas mais elaboradas do que nos fere mais intimamente.

Enquanto isso, o animal político - como uns poucos já se referiram à igreja - caminha sem pestanejar, fiel à sua bússola; igualmente focados, sem dúvida, mas no norte que muitos fiéis preferem não ver. Para a igreja, tal norte é, sempre foi, e sempre será, o verdadeiramente irrenunciável - o poder incomparável, isolado, inquestionável.

Piva foi além da subjetividade de suas próprias experiências e sentimentos. Citou o tema da campanha da fraternidade. Por fim, a balança pendeu e ele repetiu seu lamento: "Pena. Pena mesmo". Então, difere de mim: eu não lamento. Não pelo que os homens dessa igreja fazem, já que sei por que fazem, vidrados naquele norte "invisível" aos demais, meras ovelhas - frisando, ovelhas são os outros, não eles.

Isso, porém, não diminui a força das palavras de Piva, acerca dos que não resistem a se apresentar degraus acima:

... figuras com áureas de santos e almas intolerantes que, com ares superiores, condenam seus semelhantes. Se a paz é justiça, como diz a Campanha da Fraternidade, estamos definitivamente encrencados. Pena. Pena mesmo... Sigo em contato com o Eterno... Mas, contato direto, de casa, sem intermediação. É mais focado, mais honesto, mais real - mais humanamente divino.

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