Monday, January 26, 2009

O Menino do Pijama Listrado: perder tudo... menos a inocência

O cartaz do filme O menino do pijama listrado diz que a humanidade perdeu sua inocência. Um artifício: apontar para a humanidade para não implicar diretamente cada um de nós.

http://upload.wikimedia.org/wikipedia/en/3/34/Theboyposter.jpges

Perder a inocência significa 'passar a ser culpado'? Não; você me corrigiria: perder a inocência tem o sentido de perder a pureza, a simplicidade... algo bem próximo de ingenuidade. Hesitante, você acabaria afirmando que perder a inocência é inevitável consequência de crescer!
Pois eu retrucaria; penso justamente o contrário. Crescer é poder; é o poder de atuar no mundo sem passar a 'ser do mundo', sem se corromper. É esta a palavra de que mais fugimos ao falar de perder a inocência.
Corrompidos, chegamos ao ponto de declarar que, sem nos corrompermos, não sobreviveríamos. Essas palavras tão comuns são as que mais fielmente atestam nossa pusilanimidade. E nossa corrupção é total: evidentes afrontas a Deus, somos capazes de afirmar até que O amamos.

O filme - O menino do pijama listrado - mostra como se dá tal perda de inocência, uma expressão que, devemos agora admitir, é um eufemismo.
Em uma cena do filme, Bruno, o menino alemão não judeu, mente: declara que Shmuel, o menino judeu, já estava saboreando os doces quando chegou, e que jamais o vira antes.

As lágrimas que Bruno em seguida produz são lágrimas por sua própria inocência. Ele decide mantê-la, a alternativa lógica diante do seu sofrimento. "Se estou sofrendo, é porque não é por aí". Mas essa é uma rara escolha. Apesar de o sofrimento indicar que enveredamos pelo caminho errado, ainda assim, quantos de nós fariam o que Bruno faz, após ter traído sua amizade a Shmuel?
Bruno, se livrando das lágrimas já com a decisão certa tomada, dispara para a sala onde Shmuel lustrava taças. Já tinha sido levado de lá.
Quando finalmente revê Shmuel, Bruno fala de seu erro e de seu propósito de compensar pela decepção de seu ainda amigo judeu.
É a capacidade de fazermos isso que perdemos, dizendo, de forma escamoteada, que perdemos a inocência.

Quantos de nós serão capazes de voltar a chorar pela própria inocência? Seria ainda possível recuperá-la?
Gretel, a irmã de Bruno, quatro anos mais velha, nada mais tem de inocente. Vejamos o que isso representa, exatamente.

Gretel chama Bruno de idiota por este: (1) perguntar se Pavel voltaria; (2) achar que os campos "de trabalho" (de concentração) eram fazendas; (3) concluir que os judeus eram os melhores trabalhadores, já que só havia judeus nos tais campos; (4) fazer perguntas ao professor particular, e até contestar o "ensinamento" de que os judeus são o mal (evil); (5) questionar o comportamento do pai deles, o coronel de Hitler, por deixar Pavel ser espancado até a morte, após tão-somente derrubar uma taça de vinho - "Ele mereceu", Gretel responde.

Pavel, com os olhos brilhando esperança, pergunta a Bruno, numa conversa proibida, após fazer um curativo também proibido no menino: "E o que você vai ser quando crescer"? Ele mesmo responde: "Já sei; o maior explorador do mundo".
Pavel assim expressava sua esperança de que Bruno não se corromperia e seria, quando crescido, o mesmo que era como menino. Explorador é o ofício que mais requer inocência.

Quem, ao ver o filme, pode imaginar que Bruno, dado o "curso normal da vida", viria a ser e agir como seu pai? Você julgou isso improvável de acontecer? Devemos admitir que não é.

Um dia inocentes como Bruno, crescemos para "servir à pátria", para nos tornarmos leais ao horripilante - e para achar isso absolutamente normal! Então, não podemos mais ser amigos deste ou daquela, porque... Bem, porque não! Quando alguém - por sorte nossa, que nunca reconhecemos - nos dá um 'toque', chamamos tal pessoa de "parte do diabo" também.

Como cres-ce-mos, não?
Com a maior naturalidade do mundo, um dia passamos a recriminar, como o nazista pai de Bruno, até nossa própria mãe: "Não digas o que pensas; terás problemas"!
Repudiando amizades sinceras, optamos pela devoção à Virgem, pelo uniforme que enseja "respeito" dos demais.

Causa-lhe indignação o contraste entre pai e filho - entre o coronel de Hitler e Bruno? Você se perguntou do porquê de sentir tal mal-estar moral?

De brunos, passamos a gretels; e a coronéis hitlerianos. Com a maior naturalidade do mundo, deixamos de ser 'idiotas'! Aprendemos, com a velocidade de um raio, centenas de shibboleths. Vou listar alguns deles, a partir do filme e, também, do que ouvi ao vivo, nesta vida bem real, na qual a maioria torna-se instrumento/agente do diabólico, dizendo servir a Deus.
Eis minha lista de shibboleths:

As coisas já estão estabelecidas - fazer o quê?
Nossos mundos não se comunicam.
A gente precisa rezar por essas pessoas, mas a vontade que a gente tem é de mandá-las para o inferno.
Eles são meras criaturas; nós somos filhos de Deus.
Não queira você estar acima, como o espírito santo. Todos nós estamos comprometidos.

Se até os brasileiros conseguem usar [urnas eletrônicas], então nós certamente conseguiremos também. [revista The Economist, a mais prestigiada do mundo]
Se você criticar o professor, ele vai te reprovar.
Ora! Por que a Igreja mataria John Kennedy, que era católico? Aliás, o único presidente católico?
Amar é se preservar - é não se envolver com quem está em condição de pecado.
Um soldado não tem escolhas, mas deveres. Se é mandado para determinado lugar, ele vai, para servir à pátria.

Somos soldados sem escolha, orgulhosos de nossos uniformes. São símbolos de status? Disso não tenho dúvida. Minha grande dúvida é: teremos ainda algum resto de inocência para chorar como Bruno e, a partir do reconhecimento da causa de tanto sofrimento, decidir fazer o certo?

As profusas lágrimas da mãe de Bruno (e de Gretel) são lágrimas por inocência, tão desesperadas por tal mulher se ver, então, irremediavelmente presa aos donos dos shibboleths. Como romper o casamento? E, quando a real fatalidade lhe sobrevém, aí sim, a prisão se fecha para sempre: o filho tinha sido queimado na "fazenda" (campo de concentração).

A mãe de Bruno era preconceituosa: "Há um deles (um judeu) na nossa cozinha"! "Não, Bruno. Você não pode brincar com tais crianças. Como você mesmo disse, elas são estranhas, diferentes".

Como somos corrompidos tal qual essa mãe!

Para nos sentirmos melhor, afirmamos que jamais seremos um coronel hitleriano. Mas, quão natural!, apoiamos as atrocidades tal qual a mãe de Bruno. Também bloqueamos janelas. Um dia, aceitamos janelas bloqueadas, sem explicação e, depois, as impomos a nossos filhos. Normalíssimo, não?

Podemos admitir que lhes tomem tudo, que os amontoem em "fazendas". Mas quei-mar, isso não! Ora, tal equivalente a: "estuprar pode; mas matar, não". Neste ponto, já não seria tarde?

Não temos mais a inocência - a marca de Deus. Temos uma hipócrita moralidade, com zonas de "tolerável", de acordo como nosso próprio orgulho.
O problema maior com a mãe de Bruno, então em desespero, é que ela não tem mais como sustentar o orgulho que tinha de seu marido, o que a mantinha "feliz" no seu papel de esposa morta.

Ok. Pode ainda haver algo de inocência na esposa do coronel de Hitler que se rebela. A pergunta relevante então é: de que tal resto de inocência será capaz, além de consumir tal esposa e mãe em lágrimas? Será tal mulher capaz de agir em coerência com a inocência? Ou apenas passará a ser a descontrolada 'bocuda'?
Acertou.

Você bem sabe que dificilmente será capaz de ressuscitar sua própria criança, seu "bruno", seja lá qual for seu nome, leitor. Não fique com raiva de mim por escrever tanta verdade. A propósito, é possível ainda controlar tal raiva?

O que poderíamos tentar fazer de fato?

Primeiro, esqueça sua máscara de "Madre Teresa de Calcutá". Não de esmolas a vítimas que o sistema reconhece; de uma barra de chocolate a quem o sistema crucifica.

Segundo, livre-se de toda mentira em que você se escora, alimentando sua vaidade, seu orgulho.

Terceiro, treine o resto de sua vida para voltar a ver as coisas como elas de fato são.

Quarto, escreva um artigo (ou um diário inteiro), demolindo cada um dos shibboleths. Sim, um diário para cada shibboleth.

Quinto, chore. Mas não fique só no choro desesperado, sem ação, como o da mulher que "se casou com um monstro". Chore as lágrimas por inocência de Bruno, e saia do seu quarto, em disparada, pronto para fazer o certo. E não desista disso. Insista diante de cada cerca vazia, até que seu (quase ex-)amigo reapareça.

Então, faça como Bruno. Abertamente admita sua fraqueza, sua decisão de compensar o desapontamento dele. Seja ele judeu, ou qualquer outro 'inimigo óbvio' do sistema que manipula você, leitor, com sua concordância shibboletheada o mais não poder.

Jesus Mestre é absolutamente incompatível com o Cristo que perdoa seu monstruoso coronel dentro de você. Jesus Mestre disse que perder a inocência é perder o reino do céu.
Acredite nele.

Mariangela Pedro
12 de janeiro de 2009

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