Wednesday, January 14, 2009

Deus por Frei Betto

Para os que gostam de discutir sobre Deus, o artigo abaixo serve de pretexto para começar um parangolé sobre o que "não se discute", como política.

Não discuto mais com quase ninguém sobre coisa alguma. Estou pós-graduada em funcionamento de cérebros que não passariam por um controle de qualidade. Isso depõe contra Deus? Se sim, sinceramente, lamento.

Mais de noventa por cento das pessoas simplesmente não sabe se manter inteligente. Ou, como mais comumente se diz, se manter na razão e não na emoção. Isso vale para doutores, altos burocratas religiosos, enfim, para praticamente toda a "humanidade".

Frei Betto deixa uma sentença, no artigo abaixo, sozinha num parágrafo, na qual afirma que "ainda não se deram conta de que a razão é a imperfeição da inteligência".

Sabe, essas frases pseudofilosóficas é o pior produto de tais discussões sobre Deus em que gente 'entendida' está envolvida. Amiguinhos, deixando passar uns dez minutos, para o impacto do novo shibboleth passar, a tal sentença de Frei Betto é só isto mesmo: um shibboleth de impacto, porque novo. Passados aqueles dez minutinhos, nos perguntaremos: ora bolas, o que isto está dizendo? E descobriremos que a resposta é Nada. Na-da. A razão é fruto da inteligência. Se ela é sempre imperfeita, como a sentença diz, é porque a inteligência é imperfeita. Frei Beto faz mau uso dessa conclusão. A inteligência 'imperfeita' não justifica a 'existência de Deus', ou melhor, não deveria. Até porque, amiguinhos, Deus é Perfeição e não é para ser associado a imperfeições!

Pois. A imperfeição que mereceria ser apontada e que ninguém - exceto eu - aponta é o não desenvolvimento humano. Nossa! Isso acaba com qualquer um. Ainda não conheci uma pessoa que voltasse a falar comigo depois de me ouvir sobre a teoria de estágios de crescimento e fé de James Fowler, psicólogo que ninguém, ninguém cita, já notaram? Marx, Feuerbach, etc. Fowler, não.

Frei Beto passa longe da "questão". Mas, como desqualificá-lo, se todos, praticamente todos, ainda fazem pior?

O que você diria sobre Deus? Claro, aquele velho shibboleth, para começar: "é uma força superior..." Depois, dispararia o clássico "como política, não se discute".

Gente, Deus é Criador. Portanto, é criatividade. Se você nunca disse uma frasezinha CRIATIVA sobre Deus... não é filho Dele! Pode acreditar nisso.

Tchau. E bênção!
Mariangela Pedro
14 de janeiro de 2009

Deus, a questão
Frei Betto

Só há uma questão verdadeiramente filosófica, diz Kirilov, personagem de Dostoiévski: a existência de Deus. Se Deus não existe, então tudo é permitido. Paulo, o apóstolo, preferiu sobrepor o amor à fé. "Ainda que eu tivesse a fé capaz de transportar montanhas, mas não tivesse o amor, seria como o bronze que soa e isso de nada me adiantaria". Quatro séculos mais tarde, santo Agostinho resumiria o hino paulino numa proposta: "Ama e faze o que quiser".
Deus inquieta-nos. Não é fácil ignorá-lo. Prova disso é que não se restringem à mera indiferença aqueles que o negam; constituem-se num movimento de rejeição militante: o ateísmo.
Muito contribuíram para suscitar o interesse por Deus os manuais soviéticos que pregavam o ateísmo, disse-me em Moscou um teólogo da Igreja Ortodoxa russa. A insistência em negá-lo despertava em crianças e jovens o apetite pelo "fruto proibido". Deus era conatural às civilizações antigas. A Anbtropologia desconhece casos de tribos atéias. Isso levou Comte a acreditar, induzido por uma lógica mecanicista, que a religião era um estágio primitivo de cultura e a ciência, o ápice.
Três séculos antes, Descartes admitira sua finitude frente à infinitude divina: como seres imperfeitos como nós podem trazer na mente a idéia de um ser perfeito? Bafejado por Artistóteles, Tomás de Aquino, no século XIII, cedeu à tentação de querer provar a existência divina pela via racional.
Um deus que precisa ser provado não merece ser Deus. Banhar-se nas águas do rio é muito diferente do que conhecer a fórmula e as propriedades químicas da água. Outrora, os deuses promoviam a coesão dos povos. O céu estava povoado por inúmeros deles.
Até que um casal de sem-terra do atual Iraque, Abraão e Sara, foi para o Egito em busca de melhores condições de vida. Ao passar pelo monte Moriá, na atual Jerusalém, recebeu a revelação de Javé, o Deus único.
Jesus fez Deus descer de sua solidão celestial e habitar o humano. "E o Verbo se fez carne". Fundiram-se, então, o céu e a terra, o divino e o humano. O Senhor dos Exércitos, cujo nome era impronunciável pelos hebreus, revelou-se, em Jesus, como Abba, o Pai amoroso que cobre de beijos o filho pródigo.
Essa avassaladora paixão do Criador por suas criaturas assusta os que pretendem ser seus únicos porta-vozes. Daí a tendência de as religiões aprisionarem Deus na figura de um irado inquisidor, burocratizando o amor divido e congelando-o em doutrinas maniqueístas, nas quais o castigo predomina sobre o perdão e a disciplina sobre a liberdade.
No século XX, o clamor de duas grandes guerras encheu céus e corações humanos de silêncio de Deus. Motivados pelo racionalismo, Marx e Freud já haviam concordado que a idéia de Deus é uma inversão compensatória de nossas incompletudes.
Só não se deram conta de que a razão é a imperfeição da inteligência.
Deus, no entanto, mostra-se agora mais vivo do que nunca. Como predisse Rimbaud, há uma "gula de Deus", da expansão de novas igrejas ao esoterismo, do gnosticismo acadêmico aos movimentos pentecostais. É o ateísmo que se encontra em crise. Quando muito, o cético diz-se agnóstico.Enquanto isso, Deus - que não tem religião - desborda os cânones institucionais, burla a vigilância eclesiástica e ocupa, com seu toque sutil, o coração dos pobres e também dos físicos, dos intelectuais e dos artistas renomados. Ele sabe, como diria Tomás de Aquino, que são habitados por um outro que não é eles e, no entanto, restaura-lhes a verdadeira identidade. A fé, aliás, é um fenômeno da inteligência.
Mais íntimo a nós do que nós a nós mesmos, como afirmou Agostinho, Deus é, de fato, a questão axial da existência humana. Tudo mais são contingências. Mas, para acolhê-lo, é preciso dobrar os joelhos e deixar-se habitar por seu espírito amoroso.
Como mero objeto de fé, Deus não passa de mito, se, em nossas vidas, não se traduz em amor que liberta, segundo os novos mandamentos descritos no Sermão da Montanha. E, para nós cristãos, o centro da revelação divina é Jesus, com quem Dostoiévski, se instado a escolher, preferiria ficar a ficar com a verdade.
Artigo publicado no Jornal de Ciência e Fé em maio de 2001, ano 2, nº 30

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