Saturday, August 4, 2012

Violência contra mulher, Itaú Social e Educação Integral

revisto em 07.08

Como a comunidade interfere na educação?

Apontamos a família, a escola. Um popular seminário realizado ontem em São Paulo lembrou também a comunidade. E deu um exemplo ímpar - sem ter planejado - de como essa comunidade, naquele próprio ambiente, vem interagindo com os dois outros fatores.

Estaria a comunidade mais atrasada do que a escola? Teria a comunidade mais dificuldade de lidar construtivamente com a realidade do que as famílias em geral? Aquele episódio representa um firme 'sim'.

O exemplo se materializou durante o intervalo da manhã. Gente demais, espaço exíguo para tantos. Vi quando uma mulher foi empurrada por um dos garços do buffet do lanche contra a parede, a parede das janelas que, felizmente, parece, estavam fechadas; senão, a tal mulher teria caído lá embaixo, com o empurrão do garçon. Ele riu, pediu desculpas já se afastando muito rapidamente e a mulher protestou assim: Você fez de propósito; não tem desculpa. Ele continuou rindo enquanto se afastava.

Depois disso, tentei observar tal garçon no meio da multidão que se comprimia. Também pensei: o vírus da gripe A agradece... O homem pardo tinha traços marcantes como Antonio Banderas, Muito forte, com estrutura de quem faz musculação. E, se trabalha em buffets, com horários ingratos que entram pela madrugada, deve recorrer a alguns suplementos para conseguir dar conta dessa jornada e também da academia. De fato, aquele era o garçon que se movia com rapidez maior dentre todos. Rapidez muito maior. Parecia que perseguia uma presa imaginária pelo salão apinhado.

Os garçons recolhiam as louças. Uns poucos estavam atrás das mesas - um em cada - servindo sucos. Mas aquele garçon estava circulando junto com a maioria dos demais, fazendo justamente o que disse: recolhendo as xícaras e alguma outra louça. Então, o que ele foi fazer atrás da mesa onde empurrou aquela mulher? Abaixou-se; havia uma grande cesta plástica com uma reserva de xícaras, na altura em que sua colega de buffet servia café. Não vi nenhum dos outros graçons que circulavam ir para de trás de mesa alguma para fazer o que ele fez, apenas para empurrar a mulher. Essa era a real intenção dele.

As pessoas começaram a se dispersar alguns minutos depois. Vi a mulher empurrada falando cum uma outra de preto, com crachá do Itaú. Disse algo assim: "ele me empurrou... "
A mulher com crachá respondeu assim: "Preencha a ficha de avaliação do evento".

Pensava que tal burocracia idiota restringia-se a instituições públicas. Que as empresas top, bandeiras de fatores de competitividade, sustentabilidade e outros conceitos de administração avançada, tivessem - ao menos - uma atuação compatível com cérebros sadios. Assim, seriam uma salutar influência na comunidade. Estava enganada redondamente.

Fiz minha investigação. O responsável pelo buffet também circulava pelo salão, recolhendo louças tal a quantidade de comensais. Um dos seus empregados disse que aquele de gravata chamava-se Sérgio. Esse Sérgio não me é estranho. O negócio de buffets, numa cidade encharcada de eventos todos os dias do ano, parece bastante competitivo, mas talvez não seja. Há certos esquemas em todo lugar, ponderei. Alguns buffets acabam aparecendo tanto como se só existissem no mercado dois ou três... e isso não é porque, digamos, atendem aos ditames da administração avançada.

A mulher empurrada insistiu para falar com um responsável. Serena, mas firme. Se eu não estivesse no Brasil, faria exatamente o mesmo que ela. Mas eu hoje já estou no time do rapaz quase atropelado ontem à noite ao atravessar, na FAIXA, a Av. Europa, esquina com a rua Alemanha. Foi por um triz. Mais uma vez, fui testemunha, como um anjo. Vi a placa do carro prata do quase atropelador, sua cara indiferente, homem grisalho, muito magro, carcomido pela ambição da pauliceia.

Ao adentrar pela Alemanha, avistei o belo rapaz que alternava um passo com um esfregão na perna. Mais um passo; e um esfregão numa das pernas. Ele se machucou, pensei. Fiz um esforço para alcançá-lo. "Olá! Vi o atropelamento. Como você está?"

Como era terno e gentil! Passou a andar melhor estando agora em minha companhia. Será que pensou "não posso fazer feio diante dela"? Disse-lhe que vi a placa do carro. "Relaxa! Não precisa. Eu estou bem". Depois, acrescentou: "Já [me] acostumei com São Paulo; desisti de brigar por meus direitos aqui. Você acaba cansando. Sabe que não vai adiantar nada". Eu, medindo as palavras, respondi taciturnamente: "Eu tenho muito... medo... disso; de desistir". Ele sorri ao indicar que ia tomar outra rua: "Tchau linda." Linda estava a noite. Lindo era o sorriso dele. "Tome cuidado. Você não está tão acostumado assim..." Ele continuou sorrindo; nada mais disse.

O garçon também riu diante de dois rapazes, encarregados da Fundação Itaú. Um sorriso que agora analiso melhor, ao colocá-lo, na mente, ao lado do sorriso do rapaz quase atropelado.

Muito jovens eram aqueles dois, do Itáu, que surgiram, afinal, como "responsáveis" naquele evento. Um deles disse para a mulher: "O garçon vai ter que pedir desculpas!". Mas isso não aconteceu depois. Ouvi quando o garçon, mãos nas ancas, alegou: "Ela ia me bater no peito. Eu fiz isso, sim. ia deixar ela me bater?" Isso bastou para os rapazes do Itaú. "A senhora tem algo mais a dizer?", disparou um deles. A mulher perguntou para o garçon: "Você já foi agarrado outras vezes?" Ainda com as mãos nos quadris, ele riu mais abertamente: "Não... Foi a primeira vez". Enquanto a mulher estava muito séria, o garçon ria. E os rapazes do Itáu não viam nada do que deveriam ver. Quem lê mal, vê pior ainda.

Aliás, queria que eles lessem (sem ter ensaiado, claro) um trecho de um livro qualquer, diante da enorme plateia; uma passagem de um livro que alguém ali sacasse da bolsa. Seria mais uma contundente evidência da "educação integrada"(p.s.2) que não parou na estação Brasil.

Aqueles dois "responsáveis" não exigiram as tais desculpas da parte do garçon. Achei até que iam acabar exigindo que a mulher pedisse desculpas ao garçon.

Leitores, caros leitores. Se você fosse um garçon e uma mulher, em pleno evento, insistisse que você a empurrou contra a parede das janelas e depois agarrou o braço dela e o torceu... Você iria rir em algum momento?

O chefe dos garçons, do buffet, aquele de gravata, fisionomia familiar; mostrava o rosto mais sem expressão que vi há muito tempo. Não tinha uma ruga. Parecia não ter vida, músculos, cérebro.

Então, ouvi mais uma parte de conversa entre a mulher aviltada e a do Itaú que. exemplarmente burocrática, pedira que ela simplesmente preenchesse a ficha de avaliação do evento. "Estou preocupada... a senhora vai perder sua mesa temática"!

Conclusão: somos campeões em pôr panos quentes. Que tal uma olimpíada mundial da hipocrisia? Não teria para mais ninguém além do Brasil.


O dia está lindo. Lembrando o rapaz da rua Alemanha, vamos tentar relaxar? Não existe educação integrada (ou, mais audácia ainda, "educação integral") no Brasil. Sem chance alguma antes do próximo século.

Mas anotemos, simplesmente por anotar, como todos fazem nas escolas por todo este país, que há um rapaz com sorriso bem diferente do riso doente do garçon. Que, graças seja lá ao que for, conseguiu escapar de um brutal atropelamento, no mesmo dia em que a mulher escapou de sair voando por uma das janelas de um dos mais icônicos prédios de São Paulo. No mesmo dia, eles dois disseram poucas mas perturbadoras palavras. Copiemos essas palavras, mas não façamos nenhum esforço de interpretação e análise. Afinal, não aprendemos a fazer isso, nem mesmo na melhor univerdade que se gaba de sê-lo. Graças à nossa "comunidade", esquecemos um garçon que todos abençoaram, com palavras e omissões, no evento sobre educação. O diabo deve ser o encarregado dele e dela. Mas não saberíamos identificar, no texto, a quem "dele" e "dela" se referem. Tudo anotadinho? Mesa repleta de restos de borracha? Ou você é um idiota high tech e usou o iPad?

Não; não se trata de ficção. Tudo foram fatos fielmente relatados por alguém que, vocês sabem, lê, observa, pesquisa como muito, muito poucos.

Vamos ao sol!

p.s.
1) O cruzamento que menciono neste texto é, quase certamente, o mais perigoso da cidade de S.Paulo para pedestres. A prefeitura empreende uma campanha multietapas para diminuir atropelamentos, mas nada fez, em etapa alguma, em relação a tal local, no nobre bairro do Jardim Europa. A quanidade de pedestres ali tende a aumentar dada a existência de dois museus, que se empenham em oferecer mais atrações gastro-eco-culturais. Aliás, atrações que servem para pôr mais panos quentes na "educação integrada".
2) O seminário adotou a expressão mais glamurosa "educação integral", em vez de "educação integrada".

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