Saturday, May 21, 2011

FELIPE RAMOS DE PAIVA - POR QUE NÃO FOI ASSALTO O QUE ACONTECEU NA USP

Um historiador consagrado afirmou que as mentiras são fontes importantíssimas para escavar a história.
E desvendar um crime, acrescento.

Aqueles dilacerados pela dor da perda provavelmente não estão dispostos, agora, a esclarecer o crime - "isso não o trará de volta". Contudo, é como também uma reconhecida psicóloga não diplomada que declaro que saber o que de fato aconteceu é um excelente remédio para superar o trauma.

A polícia constrói uma versão conveniente, o Estado de S.Paulo está claramente apoiando essa versão. A Folha de S.Paulo se mantém, ainda, no terreno honesto de "não é possível afirmar mais nada". Família, amigos, colegas e toda gente sensível sofre.

Versão conveniente? Sim. É conveniente a versão que enquadra o crime em questão dentro do padrão das ocorrências até agora, apesar de se tratar do primeiro assassinato. Conveniente, porque armam o caso como uma tentativa de assalto, deixando no ar que Felipe acabou morto porque reagiu. Mas as mentiras...

As mentiras, uma vez detectadas, indicam, aos cuidadosos e exímios investigadores da história, bem como dos fatos que deveriam virar história - mas que acabam distorcidos e ocultados -, justamente o que se está tentando acobertar. Permitem identificar, assim, tudo o que deve ser descartado porque se tenta, com a mentira, fazer valer como a verdade. Ou seja, se percebo que alguém força a barra para provar algo, devo concluir que não foi aquilo o que de fato aconteceu.

Por que não foi assalto

O Estado de S.Paulo disse que uma testemunha viu Felipe sendo seguido até a área dos bancos, "vizinha" à FEA. Também segundo esse jornal, não foi essa testemunha que reconheceu os suspeitos (que passam a ser dois e não apenas um) que surgiram posteriormente à primeira versão. Quem não conhece o local, ou é simplesmente distraído, não vê problema algum nessa narrativa. Mas sugiro que todos os interessados nesse desastroso episódio subam o "morrinho" até a gráfica da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), um galpão ao lado do prédio da FAU e local que permite uma visão magnífica, que inclui o prédio da FEA, a área dos bancos e... a nítida percepção da razoável distância entre esse dois blocos, quando percorrida a pé. Diante disso, não é possível engolir a afirmação de que uma testemunha viu Felipe sendo seguido todo esse trecho.

Aquele jornal também afirma que Felipe fez um saque, segundo a tal testemunha. E que, depois, o dinheiro não foi encontrado com Felipe, o que insinua que houve roubo, melhor, latrocínio, porque a vítima foi também assassinada. É muito simples se comprovar um saque. Isso ficou comprovado? A que horas exatamente ele foi feito? Como essas informações precisas não são fornecidas, em nome da lógica somos forçados a rejeitar essa história de saque.

A Folha diz que testemunhas viram Felipe sendo seguido até o estacionamento, o que fica no sentido contrário à área dos bancos. Uma só pessoa seguiu Felipe, diz. Houve discussão e então disparos (no plural).

O Estado de S.Paulo diz que houve luta corporal a ponto de quebrar uma das maçanetas do carro. Ainda, "delira" ao declarar que a guarda universitária testemunhou todo o crime e também a fuga dos criminosos, mas que não deu para anotar os dados do carro utilizado na fuga. Não é dito qual das maçanetas estava "quebrada"...

É certo que a guarda universitária não testemunhou o crime. A guarda muito, muito raramente é vista nas ruas. Pois. (Ela passou a circular ostensivamente ontem, 20) Os jornais jamais mencionam os vigilantes de empresas de serviços de segurança, mas são eles, e não membros da guarda universitária, que ficam nos estacionamentos e também nas portarias dos prédios das faculdades. E também nas portarias principais do câmpus ou "portões" 1, 2, 3 e de passagens de pedestres.

** Acréscimo a este texto em 22.05: A Folha de S.Paulo, no dia seguinte a esta postagem (portanto, em 22.05), apresenta, no meio do caderno Cotidiano , matéria que parece feita principalmente para afirmar que há "vigilantes de empresas terceirizadas", o que não se lê, em nenhum momento, nas reportagens publicadas pela Folha nos dias anteriores.
Mas reparem: a Folha, ao "aparecer" com os seguranças terceirizados, como parceiros da guarda universitária, fornece apenas o número de membros da guarda, omitindo o número de seguranças terceirizados. Assim, o jornal procura dar a impressão de que o contingente da guarda universitária é ínfimo, insuficiente, enquanto evita que apareça o contraste entre o tamanho dos dois grupos. O de terceirizados é constrangedoramente maior, a olhos vistos. (Fim do acréscimo)

Fica no mínimo "difícil" justificar a guarda universitária diante dos seguranças terceirizados. Ou vice-versa. E talvez haja um acordo - formal ou tácito - de que as empresas terceirizadas, em caso de ocorrências, não serão responsabilizadas... Muito estranho, certamente. Fato é, só a guarda universitária é mencionada, enquanto foram os vigilantes da empresa terceirizada que ouviram o disparo ou, como diz a Folha, "os disparos".

Muitas contradições além dessas

Ainda me pergunto como a maioria das pessoas declara as coisas sem pensar, sem analisar se elas fazem sentido, se são coerentes. Misturam o que viram com o que saiu nos jornais. Não se preocupam em distinguir uma coisa da outra. Isso alimenta a "Rádio Peão", que essa mesma maioria acata como "realidade".

Falei com um funcionário da faculdade que foi até a cena do crime, na noite em que ele ocorreu. Nós nos falamos com regularidade, somos corteses um com o outro. Assim, fiz perguntas a ele não com o tom de investigadora, o que o intimidaria, mas com o tom amigável de costume. Ele disse: "Veja só que luta, para chegar a quebrar a maçaneta". Perguntei: "Você viu a maçaneta quebrada"? Ele diz que não. Que a porta estava aberta, e que ele se aproximou pelo lado de trás do veículo, enfim, não deu para ver. Reparem que esse funcionário pressupõe que a maçaneta avariada é a da porta do motorista, mas não temos base para inferir isso.
"Havia carros ao lado do dele"?, eu também pergunto a ele.
"Sim, dos dois lados - aqui e aqui", ele indica, com gestos, que ambas as vagas adjacentes estavam ocupadas.
As fotos que encontrei na internet mostram apenas um carro parado do lado do de Felipe, entre os quais ele aparece caído.

Gente, se havia dois carros, um de cada lado do de Felipe, que luta foi essa que fez com que uma maçaneta do carro de Felipe quebrasse? O espaço era exíguo entre os carros! Mas aquela testemunha com quem eu falava nem se "tocou". Repetiu o que o Estadão escreveu, como se fosse "fato".

Perguntei-lhe sobre a posição do corpo; obtive dele, ainda, informação sobre o tipo de arma (nenhum jornal fez alusão a isso, muito estranhamente). E o mais enigmático surgiu quando falamos sobre o tiro. Em que ponto o tiro entrou em Felipe. Aquele funcionário não viu o local do ferimento. Hum... Mas disse categoricamente, indicando com as mãos: "Aqui, nessa parte, não foi, não tinha nada". Tal parte era a de trás da cabeça e posterior às orelhas. Hum...

O Jornal do Campus (redigido por estudantes de jornalismo da USP) diz que o tiro foi na nuca. E não foi na nuca, segundo nossa testemunha. Eu também tenho de descartar a versão de que teria sido na nuca, porque vi as marcas de sangue no chão. E, considerando a posição do corpo.... não, não tem como ter sido na nuca.

O depoimento daquele funcionário ainda nos levou a constatar que a foto, creditada ao Estadão, também disponível em
http://notasjudiciosas.wordpress.com/2011/05/19/felipe-ramos-de-paiva-estudante-de-24-anos-e-baleado-e-morre-dentro-da-usp/,
mostra o corpo de Felipe em posição diferente do que aquela em que o funcionário o viu, particularmente a posição da cabeça - justamente a região que recebeu pelo menos um disparo. Minha testemunha disse que Felipe estava de cara no chão, e encostada na roda traseira do outro carro. A foto mostra o rosto virado para o outro lado, em relação a tal roda.

A posição que o funcionário relatou é coerente com as marcas de sangue, e com o fato de ele não ter visto o ferimento - que só pode ter sido, portanto, no lado direito da cabeça (fonte ou rosto), lado que estava "colado" na roda do outro carro. Na foto, esse lado está encostado ao chão.

Naturalmente, Felipe não poderia ser cabalmente identificado com o rosto voltado para o chão. Mas, claro, a roupa, etc. já indicariam de quem se tratava.

Notei também que, na foto, a "blusa" dele está bem suja, o que a alegação de "grande luta corporal" poderia explicar, mas foi descartada por nós. A blusa ficou suja porque, deduzimos, mudaram o corpo de posição, roçando-o no chão e/ou no carro.

Algo também muito importante foi dito, agora espontaneamente, por aquele funcionário, e veio ao encontro de algo que eu também achara estranho quando observei o chão, na área do crime. Ele comentou: "Tiro na cabeça faz uma poça enorme de sangue. E os miolos ficam espalhados. Ficam sim... Não vi isso. Isso não vi. E quase não tinha sangue..."

Outra divergência: o funcionário disse e reiterou para mim que os DOIS pés estavam dentro do carro. Os jornais falam de apenas um pé. A foto não está nítida quanto a isso. Uma pena. Isso é crucial. "Ele estava nessa posição "doida", os dois para cima"? Minha testemunha insiste que sim.
Você, leitor, não percebeu porque isso é tão importante? Um dos pés apenas para dentro do carro indica que Felipe tentou entrar. Ambos os pés dentro, Felipe, sem dúvida, CHEGOU A COLOCAR A CABEÇA PARA DENTRO DO CARRO. Tente colocar dois pés para dentro, sem colocar a cabeça, leitor! Ah...Dois pés para dentro, portanto, indicam que ele se sentou no veículo. E... o ferimento foi do lado DIREITO! Ou seja, o disparo veio do outro lado e não do lado pelo qual Felipe entrava no carro. Ora, se o carro era BLINDADO... como o tiro pegou nele?

Isso muda tudo. Toda a versão dos jornais, especialmente a mais do que forçada versão do Estadão.

Por que a polícia constrói outra versão?

Pode haver mais de uma razão para isso. Evitar que as coisas fiquem ainda piores para a USP. Esconder algo ainda mais inaceitável, como o corpo baleado ter ficado um tempão dentro do carro sem ninguém notar.
Esconder que ouve um crime premeditado, e não de simples bandidos.

Recapitulando

Considerando tudo que apurei, ou seja, a testemunha, as mentiras dos jornais, as contradições e mudanças nas versões das reportagens, o local, fotos, tudo, cheguei a algo que faz sentido como o pode ter de fato acontecido.
Não houve luta corporal. A maçaneta "quebrada" indica que o carro foi arrombado pelo assassino. Ele aguardou Felipe dentro do carro. Isso é coerente com o ferimento na cabeça ter sido do lado direito. Não posso afirmar se Felipe se negou a sair com o veículo, sob a ameaça do criminoso, para uma voltinha para saques em caixas eletrônicos. Ou se o crime foi por vingança. Mas o bandido foi embora na boa. E o corpo teria ficado lá um bom tempo, ferido, no banco do motorista. Por quê? Porque havia pouco sangue no chão. A maior parte teria sujado o carro, cujo interior não é mostrado. E a foto antes mencionada "risca" a placa do carro, impedindo que ele seja identificado. Por quê??

Por tudo isso, deduzo que ninguém ouviu disparo algum no momento do disparo, que teria sido feito dentro do carro. E isso é coerente também porque o local do estacionamento onde o carro estava é ermo. A guarita - dos vigilantes terceirizados - fica bem distante.
Por fim, alguém viu o corpo dentro do carro e avisou o vigilante, ou o corpo de Felipe acabou caindo para fora do carro - ele se sentou, mas pode não ter trancado a porta, sendo rendido e/ou prontamente baleado antes de fazê-lo. Essa queda, e a consequente batida da porta de seu carro contra o carro ao lado, pode ter feito, sim, barulho bastante para chamar a atenção de outros. E os dois pés, coerentemente, ficaram dentro do carro, porque o espaço exíguo entre os dois carros não permitiu que a porta abrisse mais.

Como se vê, basta alterar um detalhe, que toda uma versão inconsistente pode ganhar espaço.

A lorota dos suspeitos

Aquele funcionário disse ainda que os suspeitos que saíram no Estadão voltaram no dia seguinte para a Faculdade, não a FAU, como narra esse jornal, mas a própria FEA!
"Nãoooo", exclamei para ele. "Isso não faz sentido algum"!
"Vai ver que os caras são tão nóias que nem sabem o que fizeram"!, retruca o funcionário.
Eu balanço a cabeça. Ele acrescenta: "A guarda universitária falou com eles ali (aponta para a frente da FEA); a gente viu isso". Arregalo os olhos. "E não prenderam os caras"?

Claro. Depois de pegarem aqueles dois vagabundos, viram neles os "suspeitos perfeitos". E montaram o que dizem ser "as imagens" das câmeras da FEA. Não há dúvida, é montagem.

Em tempo, não há câmeras no estacionamento; o Estadão disse que há, mas que elas não flagraram o crime ("Estudante é assassinado na USP", no caderno Metrópóle, 19.05).

Honestidade é a base da segurança

Antes de entupir o cãmpus de policiais, a USP, em especial, as autoridades encarregadas do caso e a imprensa devem honrar toda a sociedade com lisura, honestidade. Não dá para tapar um crime desses com versões convenientes.

Veja também a próxima postagem, com atualizações sobre o caso.

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