“A mais brutal forma de manipulação humana”
A seguir, trecho do livro Opus Dei – Os bastidores, de
Jean Lauand – professor titular da Faculdade de Educação da USP –, Dario Fortes Ferreira e Marcio Fernandes da Silva, todos ex-membros daquela prelazia.
Após o seu ingresso, em princípio irrevogável, o numerário aos poucos vai se moldando à Obra até que, em palavras do seu fundador, tenha somente o fim corporativo. É nesse moldar-se (ou anular-se) que a violência moral e espiritual se processa, lenta mas poderosamente. Toda e qualquer espontaneidade é suprimida e substituída gradativamente pelo dever de servir à Obra, que é, como se pode depreender, sinônimo de servir a Deus e à Igreja. A vontade de Deus vai se manifestando concreta e paulatinamente ao numerário pelos diretores, que também são numerários. A obediência genérica vai sendo detalhada. Para aquele que mora nos centros da Obra, mesmo um simples telefonema aos pais será motivo de consulta, pela qual se estabelecerá a conveniência de se fazer ou não a chamada. As correspondências que chegam para o numerário são todas violadas pelos diretores, e as cartas escritas pelo numerário são lidas por esses mesmos diretores antes de lacradas nos envelopes e enviadas. O numerário vai descobrindo, assim, pouco a pouco, em que consiste ter dito sim a Deus. Trata-se de ter dito um sim definitivo à Obra, sempre, em qualquer assunto, pois nela “não existem desobediências pequenas” e já não existe uma vida propriamente individual.
A coerção exercida dentro da Obra, que consiste em fazer com que uma pessoa realize “livremente” e com “alegria”, mesmo não querendo, mesmo chorando, mesmo amargurada e aflita, o que lhe é ordenado, sempre em nome de Deus, é a mais sofisticada e brutal forma de manipulação perpetrada contra a dignidade humana. É uma coação, digamos assim, limpa e sem marcas, na qual não é necessária a força ou a tortura física. Os diretores assumem, perante o numerário, uma dignidade divina. Os diretores devem ser obedecidos sem pestanejar, e os que obedecem terão de dizer que obedecem porque queriam e querem sempre obedecer.
O Opus Dei é uma máquina manipuladora perfeita, perversa, sugadora da individualidade e da liberdade de seus membros e só poderá ser detida ou reformada se pessoas decentes dentro da Obra se revoltarem e não aceitarem as loucuras que dizem ser vontade de Deus.
Fonte: Jornal da USP - http://www.usp.br/jorusp/arquivo/2005/jusp741/pag14.htm
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Nessa matéria ora citada, também encontramos os seguintes dados "elementares": "É assim que funciona o Opus Dei – uma prelazia pessoal da Igreja Católica, fundada em 1928 pelo padre espanhol Josemaría Escrivá"..., o que não é trecho do livro em foco, mas está sob a assinatura de ROBERTO C. G. CASTRO, do jornal.
O grave problema com essa "mini história jornalístico-enciclopédica" sobre a Ordem, apresentada por Castro, advém de misturar coisas que nada têm a ver entre si. Um desses grandes enganos: Josemaria Escrivá não fundou o Opus Dei como ela passou a ser desde que "encampada" pela Igreja Católica. O Opus Dei de Escrivá era bem diferente.
O Opus Dei se tornou uma prelazia papal, mas não foi sempre assim, como o segundo trecho acima afirma. Toda a manipulação relatada pelos autores do livro mencionado não diz respeito a Josemaria, mas a Igreja Católica tão somente.