Felicidade sustentável – ou a primazia logosófica do 'é dando que se recebe'
Monografia apresentada à Fundação Logosófica para concorrer a concurso - 2008
Os caminhos da felicidade são pomos de fantasia para os propensos à aventura. São subitens em esmaecidas páginas centrais de livros de bolso. São segredos de seitas em extinção, pairando em atmosfera de angústia. “Tudo isso e nada disso”, retrucam os intelectuais, sofismando acerca da regra de que não há regras para a felicidade que, sem se submeter a audiências marcadas, ainda assim persiste subliminarmente até em ambientes sisudos como os tribunais.
Contudo, as especulações improváveis sempre foram mais alardeadas do que a busca honesta pelo saber. Vimos enveredando para o engodo porque, soberbos ante a escalada para a pureza, também insistimos em tomar modelos teóricos como sucedâneos da consciência. Assim, modi vivendi para a felicidade ainda são frivolamente expostos tais quais ingredientes em receita culinária, concomitantemente ao esquivar-se da discussão do porquê de quase todos fracassarem em manter tais “dietas” existenciais por um período mais do que breve.
Através da mudança de enfoque, do meio externo para o interno, bem como da observância sensível da doutrina apresentada adiante, podemos adentrar o campo de investigação que nos levará a aprender e transmitir o conhecimento que torna a felicidade sustentável. É nesse campo – o da investigação logosófica – que dispomos de subsídios fecundos para a vida humana entendermos e enaltecermos.
Cabe, agora, sobremaneira, esta indagação de Carlos Pecotche, o Raumsol, por meio de quem a logosofia começou a ter voz, em 1930: “Como é possível, então, pensar que conhecimentos de tal nível hierárquico haverão de ser obtidos como um dom do céu, sem que para isto se requeira aplicação nem esforço algum”? (“A arte de ensinar e a vontade de aprender”)
Para aprofundar essa proposição pode ser útil apresentar a definição que elaborei após dominar a literatura logosófica básica: “A logosofia é o locus do pensamento superior que, encerrando a consciência de sua própria força, se eleva para mergulhar, porque precisa partir do que nutre a vida, para chegar à essência da vida; porque, de tão sublime, precisa ser íntimo da humildade; porque, aninhado ele, pensamento superior, na inteligência que somente a Inteligência poderia ter gerado, precisa re-conhecer seu próprio ninho, para não anular sua existência”.
Essa definição não remete a inócuas simplificações; delineia o pensamento voltado para a vida que valores menos universais mantêm alheia de si mesma e aponta a conseqüência última de sucumbirmos às “alternativas” restritivas de um self service esotérico ou à pseudo-sofisticação da endoutrinação clássica: a anulação de nossa existência.
Mesmo não havendo liberdade na crença, propala-se, em nome da liberdade de crença, o chavão “Deus te ama, deus nos ama”, que incita a ebulição do sentimento de autocomiseração, na vulga pretensão de substituir o sentir único que, inseparável do pensar superior, forja a vocação que cativa o espírito e torna sustentável o processo que culmina no pleno domínio consciente, pelo ser, da força de sua sabedoria e de sua individualidade.
“A voz sábia... é a que ensina o caminho sem extraviar o pensamento”. (“A arte de ensinar e a vontade de aprender”)
Ainda é exíguo o ensinar aludido na citação acima, apesar das conseqüências disso, estas mesmas carecendo, fora da logosofia, de explicitação consistente e exaustiva, embora magistralmente exploradas no romance de Robert Pirsig, Zen e a arte de manutenção de motocicletas (1984). É, portanto, mérito da logosofia ter suprido tal carência e assim, como ciência nova, plenamente justificado sua missão. Contudo, o ensinar sábio só pode se expandir com a ampliação do aprender sob a égide logosófica, o que representa um desafio face ao contexto antes descrito, crescentemente desfavorável.
Pensamento extraviado é perda de individualidade, desperdício maior que se verifica na escassez, já que a inteligência humana foi feita única em toda a Criação. Malgrado o ensino, o ser impõe a si a mais insuportável privação, por ignorar sua vida interna, em cujo âmago se abriga o bem que ao ser é exclusivo, perene, inesgotável, inextorquível, inintercambiável e único alavancador viável de sua felicidade.
A interpenetração entre o aprender e o ensinar, em logosofia, é o que permite descortinar o Sentido da Superação, condição na qual usufruímos de abundância enquanto sujeitos à limitação, o que, para o economistas convencionais, é um paradoxo. Para os logósofos, contudo, é a mais doce harmonia, o encontro indispensável, o fim do atrito que faz fermentar a angústia.
Ao aprendermos tanto quanto o estágio de nossa evolução em dado momento o permita, por fim deixamos tal estágio para traz [sic - trás], conscientes de que, ao longo de tal aprendizado, usufruímos sempre de abundância. O que antes era limitação, determinada por aquele estágio, converte-se em superação. E novo estágio evolutivo começa, tanto para quem ensina – também aprendendo –, quanto para quem aprende, que passa a ser capaz de ensinar.
A felicidade sustentável consiste em conhecer o conteúdo da vida. O imprescindível dar-se corresponde ao “internar-se em si mesmo tanto quanto o permita a própria evolução” (“A arte de ensinar e a vontade de aprender”), o que deve ser comum tanto a quem mais parece aprender, quanto a quem mais parece ensinar; tanto ao ensaísta, quanto ao seu avaliador.
De tão plena de recursos, a vida só pode ser conhecida em lotes, que podem ser produtivamente desembrulhados com o desdobrar-se da própria vida.
E ela se desdobra até num simples ensaio para um concurso, conquanto envolta pelo sentido da superação, que libera o espírito para o fecundo dar-e-receber do saber consciente. O conhecimento cerceado pelo senso de oportunidade é como um ventre que alimenta, mas que jamais, jamais conduzirá à luz.
A Fundação Logosófica excluiu minha monografia (acima) da lista dos trabalhos contemplados com nota sete ou superior a sete. Quando pedi minha nota, não deram.
Leia também a outra postagem do hoje sobre o assunto:
http://mariangelapedro.blogspot.com/2010/03/elogio-logosofico-certas-mulheres-estou.html