Friday, February 12, 2010

Vivi coloca panos quentes na questão... Com a palavra, um psicanalista

"O médico me disse que se parar de repente de tomar os remédios, o organismo pode ter um choque".
Isso representa um retorno à estaca zero, em relação a tudo o que conversamos, eu e Vivi, no sábado. E Vivi sorri ao dizer isso.

Revi minha amiga Vivi ontem. Ela me recebeu com muito carinho. Mas me desapontou ao revelar que continuava tomando todos os remédios tarja preta.

"E o que o médico disse para você que seria 'parar aos poucos'"?

Ela hesita por segundos e declara: "O médico disse que iríamos falar sobre isso na próxima vez" - que Vivi não soube - ou não quis dizer - quando exatamente seria. Disse tudo sorrindo...

Isso é preocupante.  A notícia sobre o estilista Alexander McQueen, que um periódico britânico afirmou ter-se enforcado, enquanto os demais preferiram aguardar a autópsia, reveste de mais mistério o que vive melhor quanto maior o mistério: a contabilidade da indústria da "saúde". Sim, a indústria da salvação, da religião, está alicerçada no mesmo princípio.

Fui tola, um dia, por pensar que, na igreja, as pessoas queriam de fato ser ajudadas e ser curadas. Não, querem é jogar o jogo do "sou vítima". E Deus olha para mim (quando eu quero que ele olhe...)
O médico disse-lhe que Vivi não precisava do exame, que ela não tinha problemas cardíacos. Ainda assim, ela insistiu que queria fazer o exame "para não ter mais dúvida", ela me conta. O exame é assim tão infalível e preciso? Vivi parece achar que sim.

Além disso, não se dá conta da contradição de estar tão ávida de ter um certificado de coração bom, enquanto se entope de química tão brava. Qual o efeito disso sobre o coração? E em quanto tempo isso poderá ser detectado num exame como o que ela vai fazer em breve?

Vivi ontem me deixou com uma primeira impressão de que está se acomodando - e rapidamente - ao fato de que "sente certas coisas" que devem ser "afogadas" com pílulas - e não há outro jeito, assim ela se conforma. Minha grande atenção a ela talvez venha a servir a propósito oposto ao de meu intento: posso acabar apoiando o papel de "preciso de ajuda constante" que Vivi assumiu há algum tempo.

Percebo, assim, que minha amiga é muito influenciável e medrosa. Já está dependente das porcarias. O caso não é simples. Aliás, que caso assim é simples? Parece que Vivi não está de fato tão preocupada em engravidar... Ou não tão preocupada com a saúde do seu bebê!

Ontem, após deixar Vivi, fui ao cinema. Assisti a O que Resta do Tempo (The Time that Remains, o que é bem diferente do título em português), um filme pra-lá de deprê. Um velho encharcava-se de gasolina e ameaçava acender o fósforo. Um dos seus vizinhos era sempre chamado, e acabava cedendo às pressões, inclusive de sua mulher, para que fosse "socorrer" o velho. O velho repetiu isso vezes sem conta - claro que nunca acendeu o fósforo; esperava seu vizinho chegar...

Achei outro artigo, uma entrevista com um psicanalista, em outro blog. Quem entrevista é a própria paciente, após ter superado, supostamente, seu pico de ansiedade.

O foco desta entrevista é a depressão. Mas, em relação à "síndrome do pânico", ela é o outro lado da mesma moeda. Mudar de uma condição para outra é banal como mudar de humor. Aí está:

Meu problema com a exigência da performance


Blog da Carla Rodrigues
http://carlarodrigues.uol.com.br/index.php/462

Quando, anos atrás, fiz essa entrevista com o psicanalista Benilton Bezerra Jr., entendi tudo que ele quis dizer. Em tese. Na prática, não me sentia pressionada pela exigência de performance a que ele se refere. Hoje, sinto na pele o que ele chama de “busca de uma eficiência inalcançável” e, por isso, achei que valeria a pena trazer de volta suas lúcidas reflexões sobre o comportamento da sociedade neste início do século 21.


A sugestão de presente está nas páginas das revistas e nas vitrines: uma coqueteleira eletrônica que, pela módica quantia de R$ 149,00, oferece 500 receitas e a promessa do drink perfeito. Até que a tecnologia chegasse na área dos coquetéis, estes sempre foram bebidas cujo principal prazer é justamente a experiência da mistura imperfeita, que a cada vez oferece um sabor novo a ser descoberto e apreciado. A busca da eficiência já invadiu o trabalho, a relação afetiva, a relação com o corpo, a alimentação, e a atividade sexual. É nessa ideia de que há uma perfeição ao alcance de todos – e de que há algo errado com os que não chegam lá –, que esta uma das explicações para a endemia de depressão que contamina a sociedade nos tempos atuais. A outra razão é a crescente medicalização do cotidiano, como conta, nessa entrevista, o psicanalista e professor do Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva do Instituto de Medicina Social da Uerj, Benilton Bezerra Jr.:

A depressão está na moda?

Depressão hoje é o diagnóstico psiquiátrico mais realizado em todo o mundo. Os antidepressivos disputam os primeiros lugares entre os remédios mais vendidos em todo mundo. Há uma proliferação do uso da palavra depressão para explicar estados de alma, como tristeza, tédio ou desânimo. Até o início dos anos 60, o diagnóstico de depressão era dado apenas por psiquiatras. A partir daí, e cada vez mais, passou a ser um diagnóstico dado por outras especialidades clínicas, e até por profissionais não-médicos. Naquele momento, havia uma conotação pejorativa, que se perdeu hoje em dia. As pessoas falam abertamente. Esse é um processo complexo, multifacetado, com vários vetores que se articulam, e que começa com o surgimento da indústria farmacêutica, passa pela transformação nos critérios do diagnóstico e chega na medicalização da vida cotidiana. Sono, comida, sexo, corpo, tudo está medicalizado, num intenso processo de fortalecimento do cientificismo ideológico. O discurso da ciência não tem contestação. Ao lado do mercado, a outra grande agência totalizante, forma-se um movimento tentacular que dá a impressão de que depressão está na moda.

Por que o termo médico “depressão” substituiu palavras como tédio e tristeza?

O uso do termo depressão para abarcar estados de alma variados evidencia uma medicalização crescente da vida cotidiana, que não se dá apenas em estados mentais, mas de uma maneira geral. Os termos médicos tomaram conta da existência. A palavra depressão tem sido utilizada de forma abusiva, porque o termo extrapolou os limites do jargão técnico e caiu no uso comum. É, também, conseqüência do maior o uso de antidepressivos, porque diminui a tolerância com qualquer estado de fracasso, frustração, adiamento. A tristeza vai sendo compreendida como desvio de performance, e vira depressão. O tempo de luto pela perda de um ente querido está cada vez mais reduzido pelo recurso rápido do medicamento que pode apressar a “recuperação”.

O que está acontecendo na sociedade para que a depressão seja uma espécie de endemia?

Vivemos numa sociedade que, pelas exigências que faz ao indivíduo, produz um caminho para o sofrimento que leva, freqüentemente, à depressão. No século 19, por exemplo, as condições eram propícias à histeria, que era a expressão da revolta do desejo contido pelos mecanismos de repressão. A depressão é um sintoma que evidencia algo fundamental da nossa cultura, que é a busca imperativa da felicidade, da alegria, como um estado necessário ao reconhecimento do sujeito nos laços sociais em que ele está inserido. A exigência de perfomance, otimizada em todos os níveis da vida, não faz as pessoas ficarem mais felizes. Ao contrário, faz com que fiquem mais expostas ao fato de que não são tão felizes quanto deveriam estar. Vivemos cada vez menos constrangidos por regras coercitivas, somos cada vez mais livres para gozar do jeito que nos parecer adequado. Hoje, se pode moldar a sua existência conforme o seu desejo. Essa autonomia imposta, na realidade, carrega um paradoxo, é o que já se chamou de autonomia assistida.

A ineficiência, o insucesso, tem sido percebida pelo sujeito como depressão?

O sujeito está cada vez mais livre, e justamente por isso é cada vez menos capaz de ter referenciais seguros para fazer suas escolhas. A medicalização é uma das faces do que Marilena Chauí chama de “discurso competente”. Para todas as áreas da vida se constrói discursos cientificamente embasados, que servem para suprir a deficiência sentida na hora de fazer escolhas. A depressão crescente é a expressão desse descompasso entre uma liberdade cada vez mais ampla, um horizonte de satisfação cada vez mais aberto, e a vida cada vez mais vazia dessa satisfação. As pessoas muito freqüentemente se sentem aquém desse ideal. Ninguém é tão jovem, tão belo, tão saudável nem tão feliz quanto os ideais querem nos fazer crer.

O período de festas, que gera uma expectativa de felicidade, é mais propício a depressão?

Essa talvez seja a época do ano na qual mais se espera que todo mundo esteja feliz, tenha fruição total. É um período de avaliação do ano, de projeção de novas conquistas para o futuro, e todo esse clima contrasta com a realidade da vida atual. Há, também, a questão da temporalidade. O sujeito atual aprendeu a retirar do passado todo o peso normativo que o passado já teve, ninguém deve quase mais nada ao passado. Somos tão livres que o passado deixou de ser um lugar de inspiração sobre como se viver a vida. Com essa renegação do passado, com a colocação de todas as expectativas no futuro, deixamos de viver o momento presente. O presente virou uma espécie de obsolescência a cada minuto atualizada. Claro que tem a ver com as modificações econômicas, porque vivemos hoje na economia da obsolescência programada. Até a religião entrou nesse vórtice. Consumimos tudo, até as religiões. Celebridades fazem meditação e estudam Nietzsche, e tudo isso vai virando objeto de consumo. Cada vez mais a identidade do indivíduo vai se sustentando na visibilidade, que se sustenta em toda essa parafernália em volta.

O que há é um grande mudança cultural e de comportamento?

Um dos tentáculos dessa maior disseminação da depressão na sociedade é a construção de novas regras de subjetivação. Na sociedade moderna que Freud estudou, as regras de funcionamento produziram o “homem psicológico”, um indivíduo com mundo interior, cuja essência era localizada na interioridade da sua experiência. É desse indivíduo que a psicanálise fala. Mas há uma transformação aí também. Hoje em dia, há um declínio do modelo de subjetividade e um surgimento de modos de subjetivação que se ancoram no corpo, na imagem, na fisicalidade, diferente do que pregava o modelo da subjetividade psicológica interiorizada. O que mudou foi a maneira como as pessoas se constroem frente a si próprias e frente aos outros, e muda também a maneira como se experimenta e se vivencia o sofrimento. No homem neurótico moderno, havia um conflito interno entre desejos e interdições, um enigma que clamava por uma interpretação. Toda essa maneira de pensar o sofrimento foi cedendo espaço a uma outra maneira de sofrer, que não é mais uma dilaceração interior, e se transforma na insuficiência, na ineficiência, na incapacidade de atender expectativas externas que são impostas. Se alguém está deficiente, pode ficar eficiente. A questão passa a ser a de recuperar a performance.

A indústria farmacêutica teve um papel importante nesse processo de popularização do diagnóstico da depressão?

Os primeiros remédios para psicóticos surgiram depois da Segunda Guerra Mundial e atingiam pequena parcela da população, apenas os internos nos hospitais. Até o final dos anos 60, o sistema de classificação das doenças na psiquiatria era fortemente influenciado pela psicanálise, de um lado, e pela fenomenologia, de outro. No diagnóstico da depressão havia uma presença muito forte do componente da experiência, do que é a vivência do deprimido. Na década de 70 houve uma virada. Em primeiro lugar na psiquiatria americana, e depois no resto do mundo, passa a haver um afastamento da psicanálise como critério para o diagnóstico. Surge um modelo de classificação que pretende ser meramente descritivo, ateórico, com metodologia simplificada, num movimento estimulado pela OMS (Organização Mundial de Saúde), que visava a criação de um vocabulário comum a todos os psiquiatras. Havia essa justificativa de uma unificação. Nos anos 50, nos EUA, só 1% da população norte-americana tinha contado com psiquiatra. No final dos anos 70 esse percentual subiu para 10%. O processo de expansão da busca do tratamento psiquiátrico se expandiu.

Com que conseqüências?

Essa transformação teve, entre outros efeitos, o de simplificar o diagnóstico da depressão, que passou a ser identificada por outras especialidades e até por profissionais não-médicos (enfermeiros, por exemplo). Esse movimento foi adiante, e hoje o diagnóstico de depressão está disponível para a população de uma maneira geral. Nas bancas de jornal existem revistas que publicam listas de sintomas, uma espécie de grade dentro da qual é possível se encaixar ou não. Isso foi muito importante na discussão do termo e no processo de diagnóstico. O primeiro antidepressivo foi lançado no final da década de 50, é o imaO. No final dos anos 60 vem o triptanol, o primeiro medicamento a fazer muito sucesso. Além de ter sido divulgado, foi também apresentado com material produzido pela própria indústria que ajudava os profissionais de saúde a diagnosticar a depressão. Isso fez com que a depressão começasse a ser diagnosticada também na rede de saúde publica, e não apenas nos hospitais. O que acontece é um processo de mudança no diagnóstico, a ampliação da rede dos que poderiam diagnosticar, e a entrada dos medicamentos no mercado. Primeiro, houve uma grande difusão no interior na medicina, e depois na sociedade de maneira geral. Até que chegamos ao ponto de naturalizar os tranqüilizantes, por exemplo, que já fazem parte das farmácias de primeiros-socorros de qualquer família, como os analgésicos.

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Observação: Não deve ser entendido que eu acho que as pessoas inventam o que dizem sentir. Geralmente, o mal-estar delas é real. O que fazemos diante dele é que deve ser questionado. É bem mais comum acabarmos alimentando tal condição ruim do que constatarmos, felizes, que nossa interferência é eficaz.

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