Tuesday, December 29, 2009

NOSSO ENSAIO MAGISTRAL - o que escolhemos como o Melhor do Ano

Nova globalização no velho tabuleiro

por Mariangela Pedro

Parcela substancial dos inúmeros estudos sobre o cristianismo dos primórdios, ou "primitivo", nos parece reflexo de resistência, por muitos acadêmicos de hoje, à tendência persistente determinada pelos meandros pelos quais a verdade ela mesma resiste até que, por fim, emerja.

Devido aos esforços de teólogos e historiadores para preservar a tradição, a perseguição e a heresia ainda têm vigorosa ressonância no repertório católico, persistindo em enredo incongruente ao evidenciado em nossa pesquisa de doutorado, segundo a qual, nos idos do cristianismo primitivo, os futuros católicos não são os perseguidos; tampouco são "os outros" os hereges, mas é o catolicismo, no século IV, a proposição acusada de heresia, fato soterrado quando, séculos mais tarde, se transforma em dogma. Os judeus, que impuseram a maior resistência ao catolicismo, eram de fato os perseguidos como "cristãos primitivos", nessa expressão propositalmente enganosa da história tradicional.

Resgatar a transformação do cristianismo formulado por judeus no sustentáculo do papado romano deveria nos levar a reconhecer a ambiguidade das democracias de nosso tempo, em que prepondera a mentalidade - forjada em nome da salvação jamais comprovada -, segundo a qual obedecer a quem tão somente pode mandar é "ter juízo", o que os "cristãos primitivos" rechaçariam sem hesitar.

As democracias da fé - ou do medo - são como títulos de sócio de clube em mãos de quem sequer possui postura condizente com o status que o título confere ao seu portador. Ostentando espuriamente aquele status, nações "democráticas", como o Brasil, abrigam uma classe intelectual questionadora, mas um povo, enquanto religioso, cada vez mais impermeável aos valores de liberdade e justiça, e próximo de um estado de ânimo jubilante, conquanto que a quantia equivalente a um litro de gasolina permita encher o estômago de cerveja.

Cada qual com seu ópio, aos intelectuais, basta a eles a concessão para que critiquem, e assim é paga a outra cota para a "estabilidade" que vem permitindo que um intrépido governante - com o título, mas sem a postura - projete positivamente um país com flagrantes sintomas de autoritarismo e miserismo de toda a sorte, no tabuleiro do jogo da nova globalização, denominada divergente por mostrar-se sensível a diferenças culturais, mas absolutamente convergente no que tange ao papa permanecer no centro do tabuleiro.

Ao mesmo tempo em que apoiou a criação da figura do Vigário de Cristo, a versátil história afinada a tradições ainda estabeleceu a falaciosa imagem de um Constantino 'realista' no sentido eternizado por Lula da Silva semana passada: um líder calculista, que teria usado o cristianismo (que cristianismo é esse, afinal?) para unificar o império romano, fazendo, assim, coalizão do tipo Jesus-Judas, recém-aclamada por nosso presidente. Naquele contexto, temos, historicamente forçada, uma coalizão Constantino-Igreja Católica, esta retratada como subitamente atingindo projeção inexplicável, que causa embaraço aos mais puros e lúcidos.

Por essa versão fajuta da história - que esconde ainda a verdadeira origem do Sumo Pontífice (papa) - guardar grande afinidade com nossa dúbia democracia é que ela é defendida de modo a ainda autorizar hoje discursos favoráveis ao ensino religioso como o único caminho para a transmissão de princípios... nobres, sim, mas inócuos em vista de um piscinão de cultura católico, no qual todo aquele que se atreve a nadar está contra Deus. Digo, Deus Pai, de Roma. Deus Papa.
---

Volte lá! Leia de novo. Ânimo! Não sou eu quem escreve "mal". Você é que precisa ler melhor, muito melhor. Por que não adotar a meta de ler melhor como decisão deste fim de ano?

SEARCH BOX ~ BUSCA

THIS PAGE IS DESIGNED FOR A TINY GROUP OF
'-ERS' FELLOWS: LOVERS OF IDEAS; EXPLORERS OF THE SUBLE; THINKERS AND WRITERS OF INEXHAUSTIBLE PASSION. ULTIMATELY MINDERS OF FREEDOM.