Saturday, November 14, 2009

JESUS AMALDIÇOA UMA FIGUEIRA - o desvio da humanidade por conta disso

Esta é uma postagem ainda mais especial - e há um bom motivo para comemorarmos: ESTE BLOG COMPLETA UM ANO!!




Nos idos de 2000, estando eu totalmente enamorada de um "pedaço" de homem (você é um homem inteiro, por acaso? Se for, me avise!) fundamentalista católico, comecei a ler os evangelhos como uma pessoa adulta, por influência de um de meus alunos, um então gerente de projetos com salário quase milionário.




Então... estando lá pela metade do evangelho de Marcos, percebi que já havia lido sobre a tal figueira que "Jesus amaldiçoa" também em Mateus. Comparando as duas versões... uau! Assim, tão simplesmente assim, descobri que a palavra de Deus era uma farsa, uma novela muito mal costurada. Quase pirei porque todos são pirados! Ou seja, logo me perguntei: Mas como pode tal coisa tão ridiculamente escrita, remendada melhor dizendo, ser considerada a "palavra de Deus" há dois mil anos?



O fato de que tal é assim até hoje é a maior prova de cegueira quase geral (claro, eu não sou a única que vê os remendos - dos seres humanos - na "palavra de Deus". E foram de propósito!

Saí escrevendo. Escrevi muito. Sobre a verdadeira fé. O amor. A sabedoria. E também sobre a piração da "palavra de Deus". Abaixo você encontra algo raríssimo. Um texto franco, de minha autoria, de 2002, sobre a transformação da passagem da figueira - do texto original, simples, no evangelho de Marcos (capítulo 11) - num texto para promover um Cristo muito esquisito, no capítulo 21 de Mateus. O texto está PROTEGIDO quanto a DIREITOS AUTORAIS.




Ele e os 12 [apóstolos] faziam o longo caminho de volta, de Betânia até o Templo, em Jerusalém. Sentia ele mais fome do que de costume, talvez por não ter dormido bem. Ao ver uma figueira, disparou sobre ela, certo de que teria o alívio para seu estômago. Qual nada! Sua impaciência foi crescendo, atiçada pela fome. Longe do Templo, eles ainda estavam. Haveria de haver um figo que fosse ali, remoía ele enquanto açoitava as folhas da árvore.

“Não é época para figo”, seus amigos, por fim, comentam entre si, um tanto surpresos com o comportamento dele.
“Arre! Nem disso fui capaz de me lembrar!”, percebe ele, sentindo-se totalmente derrotado. E esbraveja: “Que ninguém jamais coma fruto desta árvore novamente!”

Ao chegar a Jerusalém, ele entrou no Templo com o mesmo espírito ‘faminto’, atirando ao chão as mesas utilizadas pelos que facilitavam o comércio, e fazendo as cadeiras acompanharem o voo das pombas, que eram tão populares como são as velas hoje.
Que dia!

Mas após uma noite repousante, sentia-se outro; e esperava que ninguém o questionasse sobre o ontem. Em vão – Pedro até lembrou-se da figueira que ele havia amaldiçoado, e que agora estava seca. “Mestre, veja ...”
Com a cabeça fria, ele foi tão diplomático quanto meu Padre-diplomata na semana seguinte ao episódio do ‘sacrilégio’(1) – falou de coração que crê
no que seu dono diz. E assunto encerrado.
Eu adoro essa passagem da bíblia. A Organização finge que ela não existe.

Os evangelistas não ligavam para plágio, direitos autorais. O evangelho de Marcos é considerado mais antigo do que o de Mateus. Tudo indica que algum novelista pegou aquela história de Jesus-espírito-faminto no original (Marcos) e fez um tipo de corte-e-costura com ela, de tal sorte que Jesus vira santo, ao invés de amaldiçoar. Depois, colocou essa versão adaptada no livro de Mateus. Ou, outra hipótese, o livro de Mateus contava a história tal qual em Marcos, e veio a sofrer intervenção pelo tal novelista. O corte-e-costura:

1) corte. O novelista-interventor apagou a frase: “Não era época para figos”.
Compare:

- Marcos (11, 13-14): “Quando chegou junto à figueira, ele [Jesus] nada encontrou além de folhas, porque não era época para figos. Então, ele disse à árvore:...”
- Mateus (21, 19): "... Ele foi até a figueira, mas nada encontrou além de folhas. Então, ele disse à figueira:...”
2) remodelagem. Em vez de “Que ninguém jamais coma fruto de ti novamente” (Marcos 11, 14), o novelista escreve: “Que nunca mais nasça fruto de ti” (Mateus 21, 19). Assim, a vítima imediata é somente a árvore, e não outras pessoas, famintas ou não.
3) outro corte. A história original diz: “Seus discípulos ouviram-no dizer isso” (Marcos 11, 14). Ouviram Jesus amaldiçoar a árvore. O novelista corta essa frase também. Tal corte foi necessário para facilitar a remodelagem seguinte.
4) outra remodelagem. Na nova história, o novelista faz tudo acontecer no mesmo momento, como se fosse uma pequena palestra intencional, feita por Jesus com cabeça fria, e não ato de amaldiçoar. A figueira seca imediatamente (Mateus 21,19).
Isso contrasta frontalmente com a narrativa de Marcos. Após atestar que os discípulos ouviram Jesus amaldiçoar a figueira, Marcos fala da chegada deles ao Templo, em Jerusalém, onde Jesus vira mesas, etc. (Marcos 11, 15) Somente na manhã do dia seguinte (Marcos 11, 20) é que Jesus é levado a comentar seu ato de amaldiçoar a figueira, porque Pedro, então, vê a árvore seca ao passarem novamente pelo local (Marcos 11, 21). Já na história adaptada de Mateus, o ato de Jesus de amaldiçoar é disfarçado e vira matéria para o absurdo. Logo após a frase remodelada “Que nunca mais nasça fruto de ti”, lê-se: “Imediatamente a árvore secou”. E os discípulos, assombrados, perguntam: “Como a figueira secou tão depressa?” Outra daquelas perguntas sem nexo, ao estilo “Virgem Maria”, que não está na história original de Marcos. Além disso, os discípulos já estavam familiarizados com os poderes de Jesus – já haviam testemunhado curas, etc. Marcos é coerente e não relata assombro. Mateus, mais uma vez, soa artificial: está adaptado ao gosto de alguns...

5) mais cortes. Ao ver a figueira seca, Pedro confronta seu mestre: “Veja! A figueira que você amaldiçoou secou!” (Marcos 11, 21)
Leitor, faça como Jesus ao revirar a figueira atrás de um fruto: revire o evangelho de Mateus atrás dessa frase de Pedro. Você ficará tão frustrado quanto Jesus – você não vai encontrar o que procura. Essa frase de Pedro foi cortada também – ‘secou’...

O corte seguinte atinge versos de Marcos que descrevem a resposta de Jesus diante do resultado de seu pecado e, em especial, diante da confrontação por Pedro: “Se vocês têm seja o que for, contra quem quer que seja, perdoem-lhe para que o Pai de vocês no céu possa perdoar os pecados que vocês cometem” (Marcos 11, 25). Nesse trecho, está claro que Jesus pede perdão aos discípulos. Foi cortado em Mateus. De uma argúcia exemplar, tal resposta, resumida e redirecionada ao Pai, entra no Pai Nosso divulgado pela Organização. Mas esta também divulga que Jesus nunca pecou. Assim, segundo a Organização, o Pai Nosso, tido como elaborado pelo próprio Jesus, serve como oração para todo mundo, menos para Jesus ele mesmo. Imaginem só!...

Outra parte da resposta de Jesus à confrontação por Pedro fala de fé. De natureza “não comprometedora”, ela foi mantida em Mateus, tornando-se, portanto, comum aos dois livros (Marcos 11, 22-23 e Mateus 21, 21). Tal trecho levou algumas versões da bíblia a darem o seguinte título à passagem: “A lição da figueira”. Jesus, contudo, não pretendia dar lição alguma naquela ocasião. Mas ele próprio acabaria aprendendo uma grande lição: sua fome levou-o a pecar; levou-o a secar uma árvore, inocente, que não tinha frutos porque não era época.

A confrontação por Pedro foi essencial para levar à lição que Jesus aprenderia. Entretanto, aquela resposta de Jesus comum aos dois evangelhos é, também, merecedora de nota, porque revela a capacidade analítica, acima do usual – mas nada sobrenatural –, de Jesus.
Ele habilidosamente desvia o foco do fim – a árvore inocente seca –, para o meio – o dizer e o acontecer, a fé. Pede, em seguida, perdão. E volta a defender o meio, agora mais restritamente, em contexto de oração (e não para amaldiçoar).

Tal privilegiada capacidade analítica, além de permitir a elaboração de respostas incomuns diante de situações desafiadoras – ou simplesmente constrangedoras –, pode ajudar a pessoa na análise crítica dos próprios erros e, em decorrência, contribuir para o ‘não pecar mais’, para o crescimento.

De fato, conforme já procurei demonstrar anteriormente(2), Jesus galga estágios de amadurecimento. Volto a reforçar isso agora, com base no argumento de que Jesus não usa de seu poder, de sua fé, daquela forma novamente.

A bíblia aponta como a “lição da figueira” o ‘peça o que for sem duvidar e será feito por você’. A lição que Jesus aprendeu com o episódio foi oposta: não se deve usar de tal fé. Jamais de forma tão destemperada e leviana. O episódio da figueira parece-me tão significativo para o crescimento de Jesus porque ele viria a aprender que Deus tem planos com os quais não devemos interferir. A figueira dá frutos segundo o plano de Deus, e não devemos eliminar uma peça do plano de Deus porque ela não está de acordo com nossa vontade, mesmo que tenhamos poder para tal. Jesus, não duvido, poderia ter ‘secado’ todos os que o traíram, torturaram e mataram. Mas, com o caso da figueira, Jesus tinha aprendido a verdadeira lição a ser extraída dessa passagem. Jesus cresceria a ponto de rezar de modo oposto à “lição da figueira”: “Pai, Sua vontade, não a minha”. (Marcos 14, 36) Por isso eu gosto tanto dessa história. Naturalmente, refiro-me à história original, de Marcos.

Contudo, é a passagem distorcida do novelista “Mateus” que a Organização [ a Igreja Católica de Roma] narra (Mateus 21, 18-21). A original de Marcos (11, 12-23) – que também está na bíblia que você tem em casa – eu jamais ouvi na igreja.

Como não haveremos, quase certamente, de ouvir outras passagens da bíblia, como, p.ex., a de 1Timóteo (4, 1-3):

“O Espírito claramente diz que alguns abandonarão a fé e seguirão coisas ensinadas por demônios. Tais ensinamentos vêm através de mentirosos hipócritas... que proíbem pessoas de se casar”.



(1) O Padre é outra personagem do livro que abriga este ensaio como um dos capítulos. Para os fins deste ensaio, pode-se ignorar a alusão ao Padre, bastando entender que "Jesus foi diplomático".
(2) Refiro-me a outra parte do livro.

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