este texto é tradução de The Economist Brazil's fall will not circulate in the country - rumor or tumor?, publicado aqui em 19 jan 2016
Temos agora uma semana e meia desde que denunciamos o banimento de The Economist em 9 de janeiro (2016). Os elementos da capa expondo Dilma Rousseff negativamente poderiam explicar o banimento.
Quando da denúncia, a revista já estava bastante
atrasada: a “Holiday double issue” (edição dupla de festividades), com data de
19 de dezembro de 2015, ainda não tinha chegado. Igualmente estranho, “The World in
2016” (edição anual, com período de vendagem de meses e lançada no final de
novembro) tinha desaparecido em todas as lojas de cadeia (e.g., Saraiva). Nas
bancas, algumas tinham, outras não.
Não foram
tais sumiços e atrasos que nos levaram a publicar sobre o banimento,
naturalmente. O atraso não era desprezível, mas para chamá-lo de banimento nos
apoiamos no depoimento firme de alguém confiável. Em postagem anterior
publicamos tal depoimento, que voltamos a reproduzir:
The Economist foi barrada. Me mandaram esconder isso aqui embaixo (mostra o display para apoiar a revista quase "de pé", com o nome The Economist na parte superior). Está tudo lá na alfândega. Aqui [no ponto de venda] não chegou nada. Já fizeram isso antes, quando mostraram o Brasil e o penhasco (referindo-se à outra edição já barrada tempos atrás). Então, também seguraram a revista; seguraram, seguraram e depois liberaram.
Quando pergunto a essa pessoa "quem são eles?", ela para antes de responder: "censura; a palavra é censura".
Seria legítimo argumentar que o bom
jornalismo requer mais apuração, como verificar locais de depósito, obter
documentos (certamente secretos). Tudo muito custoso, impossível de executar
e... extremamente perigoso se você está no Brasil. Tivemos, mais uma vez, um
número recorde de jornalistas mortos em 2015.
Levando-se
tudo em conta, não havia como um jornalista sério justificar a decisão de
colocar tudo em espera e permanecer em silêncio; tal depoimento (acima) mais
os elementos da edição em questão (capa, etc.) mais o estranhíssimo fato de que
nenhuma edição recente da The Economist era encontrada mais o fato de que não
havia outra forte evidência que nos fizesse ficar em dúvida quanto as razões
para o atraso mais o fato de que há registros de reações exageradas anteriores
da parte da mesma presidente, contra tal revista, mais o fato de que a
presidente acaba de ser acusada formalmente de esconder nada menos do que
o déficit real nas contas públicas.
Convenhamos.
Diante de todos esses 'mais', não podemos logicamente dizer que existem
apenas rumores.
Desde nossa primeira
postagem sobre o assunto: "The Economist prohibited in 'democratic'
Brazil", vimos atualizando diariamente nossos leitores e, infelizmente,
sim, infelizmente, a história tem se tornado mais e mais robusta. Há agora
três edições da The Economist atrasadas - aquela mostrando Dilma na capa, mais
as duas subsequentes. Em outras palavras, ainda hoje, 19 de janeiro, o número
da The Economist que o público aguarda chegar aos pontos de venda é
precisamente aquele com Dilma Rousseff na capa, seu nome seguido de "the disastrous year ahead" (grifo
nosso). Traduzindo: o ano desastroso à frente.
Você tinha
reparado que devemos ler "the" (que significa "o") em vez
de "a" (que quer dizer "um")? ("um ano
desastroso" tem uma conotação diferente)
Ao escolher
'o' ano, a revista indica - para aqueles capazes de ver - que Dilma, que acabou
de iniciar o segundo ano de seu segundo mandato, não irá além do ano à frente,
2016.
Em postagens
anteriores (ainda somente em inglês), mostramos como a revista, valendo-se de
tal estratégia sutil, deixa transparecer aquela opinião em outros pontos da
edição "Brazil's fall". Outro é nosso objetivo aqui: discutir o
banimento imposto à revista.
"Estou
praticamente certo de que aquela edição não vem mais. Vão entregar as mais
recentes para colocar em dia", disse-me um dono de banca esta manhã (de
19.01, dia em que este artigo saiu em inglês).
Rumores? Nós tínhamos - e ainda temos - uma história fundamentada aqui. Uma história
alarmante. Decidi não mais me referir a ela com a palavra "censura".
Sempre vi censura como uma proibição aberta à circulação de ideias. Um
banimento secreto é corrupção. Corrupção olímpica, por ser, desde o início,
concebida para permanecer impossível de "provar".
Mas já não
resta tudo provado agora?
Aqueles que,
diante de tudo isso, ainda pedem por mais evidência não estão genuinamente
lutando por liberdade. Estão ajudando a tornar o abafamento "normal",
e assim dão sinal verde para que mais dessa espécie volte a ocorrer.
Há um
diálogo especialmente iluminado no filme Spotlight, aquele
entre o juiz e o personagem de Ruffallo (o membro do time de jornalistas
investigadores que consegue obter os documentos na sede do tribunal). Tal
diálogo é bem próximo a isto:
- (o juiz)
Estes são documentos sensíveis. Como fica sua responsabilidade como editor
ao publicá-los?
- Como fica
minha responsabilidade como editor se não os publico? (o jornalista)
Ao dizer
isso, o jornalista finalmente consegue os documentos já classificados como
públicos, que, entretanto, não se encontravam à disposição no cartório
do tribunal.
O que nos fez denunciar o boicote advém da mesma fundamentação e
princípio: como poderemos prosseguir defendendo a liberdade e a justiça após
nada dizer sobre o que descobrimos a respeito de tão grave episódio?
Hoje, caros
leitores, lamentamos atualizar vocês confirmando o tumor.
O Brasil está morrendo, sua democracia é uma fraude.
PHOTO: SEBASTIÃO
MOREIRA/EUROPEAN PRESSPHOTO AGENCY
imagem do Wall Street JournalCorroborando vasta evidência de que Dilma Rousseff não está mais no controle do país, ela se atira à defesa de ego e poder, estupidamente atacando The Economist, como se um banimento vil, impossível de comprovar, pudesse restaurar-lhe o poder tão magicamente quanto o beijo do príncipe desperta a bela.
Talvez a reação hipócrita, se não delirante, de Dilma Rousseff torne-se a derradeira palha que fará o adormecido país gigantesco admitir que ele está quebrado bem na sua coluna vertebral. (Legal? Ótimo em inglês. Ao escrever naquele idioma, nos inspiramos num provérbio: the last straw that broke the camel's back. Ao traduzir, temos um impasse: a palha (straw) e a coluna vertebral (relacionado a 'back') não têm eco na expressão em português mais próxima "a gota d'água". Isso significa que o leitor da versão em português não vai reconhecer o provérbio em inglês, e o trecho traduzido daquela maneira não fará sentido para ele. Temos de modificar, tentando transmitir algo próximo à ideia original, mas a referência ao provérbio sumirá.)
Refazendo o
parágrafo anterior:
Talvez a
reação hipócrita, se não delirante, de Dilma Rousseff torne-se o
derradeiro insulto que fará o adormecido país gigantesco reconhecer que,
incapaz de qualquer reação, encontra-se quebrado bem na coluna vertebral.
(melhor, não?)
Embora
estejamos tão envergonhados do boicote que fere a liberdade e seriamente afeta
a saúde financeira da revista (ainda impingindo perdas a comerciantes locais em
tempos de colossal revés econômico), desculpas devem vir de outra pessoa:
daquela que ordenou o banimento. Tendo feito nosso trabalho de denunciar o boicote,
estamos, com satisfação, aptos a cumprimentar The Economist por ter encontrado,
uma vez mais, uma forma criativa, corajosa de expressar sua opinião, desta vez
dizendo que Dilma Rousseff deve - sem demora - cair pela força do povo, não
pelo ilusório ("misguided"), intoleravelmente longo processo de
impeachment. Brilhantemente, a revista diz isso, sem dizer. Tente o boicote
impedir ou não. --
Outra postagem de 19 jan, redigida diretamente em português, mostra detalhes da forma criativa com que a revista sugere
que, com Dilma Rousseff, não há solução para o país (lembrem-se de que a revista não está retaliando, e sim, a presidente. A revista foi produzida, claro, antes do banimento)
Nossa
primeira (9 jan) denúncia, ainda apenas em inglês The
Economist prohibited in 'democratic' Brazil , está aqui.
Outros
artigos sobre o assunto, ainda não traduzidos para o português:
The movie Spotlight and The Economist case in Brazil
To know how the boycott affects business (the magazine and local sellers) and is (so easily) put in place, read The Economist boycotted in Brazil - deepening the investigation
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A BRAZILIAN NEWSPAPER UNDER CENSORSHIP FOR AGES NOW