Sunday, July 31, 2011

Folha.com pinça frase para gerar mais fúria popular contra Marcelo de Lima

Hoje visitei pela primeira vez uma comunidade católica no horário de uma das missas. O padre estava atrasado "como de costume", diziam ao redor.

Enquanto ele não chegava, uma das auxiliares do sacerdote, uma senhora muito empenhada nas atividades comunitárias, adiantou os destaques das orações do dia, declarando que "Deus fará o melhor, não o que a gente quer". Citou pessoas gravemente enfermas e clamou que "a gente tem de aceitar" a vontade de Deus.

E daí?, você, leitor, estranha. Que história mais sem graça é essa da Mari hoje?
Pois é. Eu já desenvolvi até anticorpos de tanto ouvir aquelas palavras de consolo. E até o leitor já se cansou de despejá-las por aí.

Marcelo Malvio de Lima. Quem é? Você não sabe porque o rebaixaram a "dono do porsche".
"Ah! Agora sim", você resmunga.

Marcelo, claro, pagou para ter toda a página de Monica Bergamo só para ele, dois sábados atrás. Marcelo assim se empenhava em desfazer o que a mídia, a Folha.com inclusive, montara sobre o acidente de trânsito que surpreende a mim pelo destaque - quase comparável ao de uma visita papal.

Mas Marcelo se deu mal. Sua imagem ficou pior ainda, apesar de ele ter tido, na entrevista que ocupou toda aquela página do jornal, coisas que mostram ser ele sensato, responsável, sensível.

A sordidez do jornal no jogo de manter sua versão - atendendo a interesses de gente que permanece nos bastidores - foi estarrecedora. Como assim?

Lá para o final da longa entrevista (quem lê normalmente tanto assim?), Marcelo reproduz o que nossa cultura nos imprime na massa cerebral, a ser cuspido sempre que o gatilho de uma morte dispara e temos de encarar os enlutados. Marcelo afirmou que pensou em entrar em contato com a família da advogada - esta também envolvida no acidente - que faleceu. Desfiou também aquelas frases feitas sobre destino, tudo tem um propósito, etc., emendando com a xaropada do consolo. A morte da advogada estava nos planos de Deus, disse Marcelo, exatamente no mesmo contexto em que aquela mulher na igreja proferiu a mesma cantilena.

O que a Folha.com fez? Aí está a sordidez: pinçou a frase "a morte dela estava nos planos de Deus" e a estampou na primeira página. Sim, só aquela frase, fora do contexto. Brutal: todos os fanzocas da TV Globo pegam o jornal e batem o olho: o dono do porsche diz que Deus é quem quis a morte da advogada. Marcelo vira, instantaneamente, um ser comparável, em demência, ao autor dos atentados que se dariam na Noruega.

Marcelo também reclamara de não ter, na mídia, outra identidade, a não ser a de "dono do porsche". E não é que Ms. Bergamo se refere, na chamada da entrevista, ao "dono do porsche"?

A primeira página, após carimbar a tal frase-chavão-deus-quis, faz menção apenas à página de Bergamo, não à página do caderno principal, na qual havia mais informações. Ainda que o que era desfavorável a Marcelo tivesse, de novo, mais espaço, havia ali também palavras do advogado dele, que não "interessa" divulgar muito, segundo, tudo indica, a ótica da Folha.com.

O lema da Folha é um "jornal a serviço do país". Eu me pergunto: como assim?
Seria parte desse serviço criar judas para serem malhados, canalizando para tal "monstro traidor" toda a frustração de uma horde cuja existência é mais animal que humana? E tudo prossegue como dantes, sem tremores que ponham no chão os demais que também dizem servir o país?

Vou até a copa da faculdade. A copeira, com a convicção de um juiz, sentencia: "O rapaz matou a moça e só se preocupou com o carro". Para saber o que foi dito no jornal da nação, poupe: basta ouvir a copeira. Que assimila - e reverbera - como papagaio, exemplar de uma gigantesca população que se diz... temente a Deus, que não vive sem ler o horóscopo, que tem o pavio curto como o tweet da Sandy sobre... vc sabe, claro.

Qual seria o consolo - eu preciso, você não? - diante desse estado geral de pobreza de outro tipo? O texto da Lya Luft "A dor do mundo" (Veja, da semana)?

"Ele deve ir a júri popular. E ser condenado."
Isso eu ouvi na loja de conveniência de um posto de "donos de porsche". De um homem cheio dos trejeitos para iludir de que é sabedor. Ao tentar jogar comigo, bateu de frente; como um fariseu, se afastou de mim, me amaldiçoando.

"O ponto de velocidade, na hora da batida, travou. Marcava 150 km/h", aquele homem sentencia como o guardião da mais importante informação que, definitivamente, "destruirá o "dono do porsche".

"O quê?!", e não seguro uma baita gargalhada diante daquele "entendido de automóveis", cuja expressão facial me gera repúdio. Que declaração mais ridiculamente idiota!
E como passa como verdade!

Além de ter angariado pontos para o fabricante do automóvel, por o motorista ter sobrevivido, a tragédia - sempre contada sem o "detalhe" de que a advogada avançou o sinal vermelho - renderá, graças ao "esperto" povo da nação, respaldo para propaganda de um velocímetro ultrapoderoso, que nada sofre com um impacto para lá de exagerado, satisfazendo, assim, não apenas os comerciantes que já não dão conta dos pedidos de brasileiros "afluentes", mas alimentado milhões de almas ávidas por crueldade.

Ao constatar a sordidez do jornal, meu instinto me levou a orar: "que eu nunca, meu deus, venha a cair nas mãos da imprensa".
Que eu permaneça assim ilesa, que seja essa a vontade Dele.
Que os mortos durmam em paz (o chavão usado pelo pai de Amy).
Que Marcelo, como plano revelado na entrevista, tenha mesmo forças para prosseguir com a determinação de antes.
Mariangela Pedro
c/ cópia por email para a ombudsperson da Folha.

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