O comunicado de "esclarecimento" da empresa sobre o novo produto ALPINO FAST deve se tornar ilustração em aulas sobre como não lidar com um público afoito por atenção, dotado de consciência crítica e munido da internet.
O teor daquele comunicado está caracterizado por um tom de revanchismo e se faz de tal modo emocional que remete a isto: "Sua mê - autoritária - faz tudo por você e você reage assim! Então, não tem mais sobremesa no jantar".
Foi divulgado que a multa à Nestlé, motivada pelas características daquele novo produto, chegou a 1,5 milhão. Mas o que merece um corretivo ainda mais forte é precisamente o "Nestlé esclarece" que se seguiu, com destaque nos jornais.
A empresa não esclarece, mas chicoteia seu consumidor e o público. Defende-se com arrogância e estreiteza de visão estratégica. Será que o efeito Lula no que tange ao discursar já exerce tamanha influência sobre as mais poderosas empresas? A Nestlé indica que sim.
Além de argumentos arcaicos que marcam sempre os discursos do Vaticano - tradição e tempo no mercado, a Nestlé deixa patente, em tal "esclarecimento", que ela se pauta mais em pesquisa - sempre muito limitada -, encomendada por ela a determinado instituto, do que na viva voz de seu mercado real; voz contudentemente viva, ainda que, como se pode dizer dado o canal, virtual.
Assim é que a Nestlé ainda usa uma linguagem nada amigável. Quem corretamente esmiuçou que "sua marca está perfeitamente adequada sob o ponto de vista técnico e sensorial"? (em azul na reprodução da nota da Nestlé, abaixo)
Com "sua marca" a empresa se refere a "Alpino". Essa marca, no que é atribuída ao novo produto, prossegue o comunicado, "está perfeitamente adequada". Claro está o exagero. A extensão de uma família de produtos, com a adição de novos membros, é sempre arriscada. O "tradicional" chocolate (chocolate mesmo?) Alpino ficou, muito provavelmente, abalado em sua imagem, com a reação ao filhote feito para engolir sem mastigar - o referido Fast (algo como "expresso", nesse caso).
Além de fingir que desconhece o risco estratégico de tal extensão de família, a Nestlé, com o "perfeitamente", toma como infalível uma pesquisa de mercado baseada em amostra. Nenhum estatístico cometeria tal desatino. A empresa, no restante daquele trecho, alude ao "ponto de vista técnico e sensorial" - e isto é o particularmente enigmático para a maioria das pessoas. Confirma que a responsável pelo Alpino Fast não estava voltada de fato para o público, consumidores, etc., ainda que o comunicado comece apontando para eles.
O "ponto de vista técnico" diz respeito ao que é alegado quanto ao Fast conter a "mesma massa do Chocolate Alpino" (em roxo, abaixo). O "ponto de vista sensorial" é alusão ao resultado da pesquisa que apontou que o sabor do chocolate em questão, no produto Alpino Fast, foi "reconhecido por 92% dos consumidores entrevistados pelo Instituto Ipsos, antes do lançamento do produto" (em verde, abaixo).
Já deveríamos ter bem consolidada a ideia de viés de pesquisa, o que abrange a obtenção de respostas induzidas pela própria pergunta. Ou seja, se perguntam a alguém se uma bebida identificada com o rótulo "Alpino" tem sabor de Alpino, a resposta tende a ser "sim". Além disso, respondentes de pesquisa não se comportam necessariamente tais como consumidores.
Tantos erros a comprometer produtos e empresa, foram eles, no cômputo geral, o de menos. Causou-me estupefação a arrogante declaração da Nestlé de que ela decidira retirar as informações sobre o produto da embalagem - a reação sobretudo autoritária, de mãe contrariada, que apontei antes:
Não há dúvida de que houve excesso de zelo por parte da Nestlé. O objetivo das mensagens foi o de garantir a transparência da comunicação com o consumidor; Tendo em vista que as frases, em vez de esclarecer, acabaram gerando dúvidas, a Nestlé decidiu retirá-las da embalagem. (em marron, abaixo)
Nestlé ressentida: "Como pudemos nos dar mal se fizemos mais do que o que nos obriga a lei? Fizemos demais em prol do consumidor, mas, como ele não entendeu nada, fica agora sem nossa boa vontade".
O terrível sobre o terrível é que isso fica (não me parece necessário pesquisas para confirmar), a partir de agora, "grudado" ao nome de tudo o que é Nestlé - e isso é um mundaréu de produtos; fica também grudado à própria empresa-mãe, prepotente e ora magoada.
Está aí um tom familiar aos filhos de Lula. Alguns deles, certamente, já cansados de levar broncas, diminuídos com as gafes, irritados com um índice de popularidade que torna Deus um contrassenso. Desponta a ideia de que ser "tão gostoso" pode ser um tremendo problema. Consumidores - e cidadãos -, estamos todos sob o chicote de líderes populares em excesso.
Ante tal brutalidade, Fast deve agora dizer que rápida deve ser a passagem dessa "mistura líquida" pelo mercado. Não precisamos aturar uma punição por questionar um produto. Não devemos fazê-lo.
Ter votado, por tanto tempo, no tal chocolate e nos comportado de modo a levar uma empresa a ser altiva em excesso não implica dizer amém para sempre.
No mercado global, ainda não somos reis. Não; a Nestlé deixa patente que somos súditos. Súditos a ser tratados na exata medida do que a empresa julga de seu interesse.
Eis o teor do comunicado da Nestlé, publicado nos jornais:
Nestlé esclarece
Em respeito aos seus consumidores, clientes, parceiros e ao público em geral, a Nestlé Brasil Ltda. vem esclarecer o seguinte em relação à matéria publicada nesta quarta-feira, 12/05, no jornal Folha de S.Paulo:
- O Alpino Fast tem, sim, em sua composição, além de outros ingredientes, a mesma massa do Chocolate Alpino. O sabor do Chocolate Alpino no produto Alpino Fast foi reconhecido por 92% dos consumidores entrevistados pelo Instituto Ipsos, antes do lançamento do produto;
- A Nestlé, visando evitar que os consumidores pudessem vir a acreditar que encontrariam o mesmo Chocolate Alpino derretido, ou pedaços do Chocolate Alpino no produto, decidiu incluir as frases "este produto não contém Chocolate Alpino" e "imagem meramente ilustrativa para referência de sabor", que estão gerando controvérsia, mais que esclarecimento. Não há dúvida de que houve excesso de zelo por parte da Nestlé. O objetivo das mensagens foi o de garantir a transparência da comunicação com o consumidor;
- Tendo em vista que as frases, em vez de esclarecer, acabaram gerando dúvidas, a Nestlé decidiu retirá-las da embalagem.
Portanto, a Nestlé, com 90 anos de Brasil, em nenhum momento lesou seus consumidores ou descumpriu quaisquer dispositivos legais vigentes, em especial o Código de Defesa do Consumidor, uma vez que a identificação do produto Alpino Fast com a sua marca está perfeitamente adequada sob o ponto de vista técnico e sensorial."