Milagres podem acontecer todos os dias
Dia do caos, terça-feira, 8. Vinha para a USP de forma ecologicamente mais correta, dadas as circunstâncias - de ônibus. Não tenho coragem de andar de bicicleta. E ninguém pode me recriminar diante disto:
O ônibus estava se aproximando do cuzamento da Cidade Jardim com a Faria Lima. Aceleração brusca. A um palmo do homem negro, jovem, de terno, o motorista, também jovem, faz uma manobra chocante, abusa da buzina e berra, voltado para a janela:
- Seu filho da puuu-ta!!
Eu estava sentada no banco logo atrás do do motorista. Consegui me segurar, enquanto arregalava os olhos com o que via. O homem não se abalou, aparentemente. Alcançou vivo e inteiro a calçada, com elegância.
- Não é filho da puta não, mo-to-ris-ta!... Ele estava na faixa.
Quem se atreveu a dizer isso? Adivinhe!
E não fico satisfeita só com essa minha manifestação, em tom de criança que aponta o erro do pai. Envolvi a mulher que estava no banco, a meu lado, e que murmurava um ai meu deus:
- Em lugar civilizado, isto de fato acontece: se o pedestre está na faixa, o motorista para. E ele tem mesmo de parar.
E repito: - Se o pedestre está na faixa, nada mais interessa. O motorista tem de parar.
- É para isso que há a faixa - acrescento.
A mulher se levanta e vai para trás, sem nada dizer.
O motorista poderia ter se levantado e me agredido. Eu sei. Mas essa confrontação minha deu muito certo.
Ele voltou a ser um ser normal. Observei que passou a ser gentil com os usuários do ônibus. E também foi educado comigo, quando me dirigi a ele, pouco antes de saltar do ônibus.
Milagres podem acontecer todos os dias. Isso depende de cada um.
Medo e covardia - ainda que se invoque Deus - trazem mais desastres e desatino no longo prazo. Mais abusos e riscos contra nós mesmos.
Desculpe se isso soa a sermão.